quarta-feira, 6 de junho de 2018

Temporada 2018


Crítica do Segundo Caderno de O Globo (6/6/2018)

Crítica/ “Rose”
Merenda escolar expõe a divisão da cidade 

Cecília Ripoll transforma a merendeira Rose em ponto de ligação entre o refeitório de escola de periferia e a sala de visitas de empresário da Zona Sul. Há anos na função de aguar o feijão dos alunos e partilhar a escassez das refeições, começa a desviar mantimentos da casa em que trabalha aos sábados. Com a chegada de um novo diretor, que descobre o milagre da multiplicação dos pães e receoso de que se revele a transferência de recursos, denuncia a empregada à patroa. Nesta trama, em que divisórias sociais demarcam desigualdades, a autora retrata, com realismo de denúncia, a geografia dos contrastes. Acrescenta os filhos das famílias, o frágil Antônio Pedro e a rebelde Maria Juliana, ao quadro bipartido, reproduzido por gerações e unificado na permanência. Os diálogos naturalistas exibem as mazelas da cidade partida ao encontro do embate final, redentor e libertário e um tanto comprometedor com a veracidade e coerência dramatúrgica. Com convergências e similaridades, aparentes e inspiradoras, “Rose” lembra “Conselho de classe”, texto de Jô Bilac, que a Cia. dos Atores estreou em 2013. Não só pela mesma ambientação, como pela exposição de fraturas de políticas educacionais de sucessivos governos. Vinícius Arneiro situou a montagem em espaço semelhante a sala de aulas. Cadeiras enfileiradas integram os diversos cômodos (salas, colégio, quarto, banheiro) e apoiam a coreografia das atuações. O diretor movimenta os atores em balé de rupturas, representado por gestos que se dissociam do sentido da palavra para ganhar significado crítico. Trejeitos e rostos contraídos, saltos e cabelos puxados funcionam em alguma medida para desordenar a narrativa realista e atenuar visão dualista e simplificadora. Se a princípio, resulta, acaba por se fazer desgastante pelo excesso. Quando a dramaturgia fraqueja, em especial na última cena (confronto da merendeira com o político), fica evidente a inadequação da fúria reivindicatória à pusilanimidade grotesca. Na linha de interpretações corporais Thiago Catarino e Natasha Corbelino demonstram maior disponibilidade à entrega física. Ângela Câmara, ao contrário, é quem menos realiza com destreza a dança das falas. Márcio Machado concentra a agitação dos demais atores na fixidez da máscara facial. Dida Camero compõe, desde a manipulação dos dedos ao ar bonachão da mímica afetiva, uma Rose de perfil generoso.