quarta-feira, 2 de maio de 2018

Temporada 2018


Crítica do Segundo Caderno de O Globo (2/5/2018)

Crítica/ “Mordidas”
 
Comédia argentina aponta para a falta de filtro
“Mordidas”, do argentino Gonzalo Demaría, em tradução e versão brasileira de Miguel Falabella, fornece sinais contrários daquilo que aparenta ser. O texto parece, de início, uma comédia de tons misteriosos, que logo se revela descolorida de qualquer palheta de gênero. A linguagem versificada aponta para a falta de humor dos diálogos, que soam apenas postiços. As personagens, caracterizadas como tipos, não justificam a ausência de qualquer crítica ao que dizem. O retrato que o autor talvez procurasse fazer de uma camada social está mais na projeção do preconceito do que na fotografia de suas consequências. A morte da cachorrinha Bola de Neve da anfitriã de um chá que reúne três amigas, desencadeia a suspeita de que a empregada tenha sido a assassina. Na sequência de tão imensa perda, abre-se portal de divisão de classe, intolerância às diferenças e exposição de pretenso status social. Mas pouco resta, como observação, desse entrecho, que se insinua como comédia de costumes, descamba para humorístico de televisão, e se confirma como narrativa sem flexões. O que se ouve é o que é. Nada transpõe a falta de distanciamento com que o quarteto de mulheres, fútil, tolo, ridículo, é tratado por Demaría e reforçado pelo adaptador. Não se percebe no chorrilho de bobagens, imaginado possível de riso e improvável de desaprovação, o menor sentido de avaliação e de diagnóstico em comportamentos apenas ocos. O diretor Victor Garcia Peralta não facilitou, com intervenção mais vigorosa, melhoria em material tão inexpressivo. Pelo contrário, esgarçou o cômico de pouca ou nenhuma maleabilidade de raiz. E assim, acentuou os diálogos atravessados de preconceitos e banalizados de bordões, deixando ainda mais vazio o já restrito espaço para a comicidade. O monólogo final, em que são reiterados os aspectos mais pobres e medíocres do texto, deixa impressão de que a montagem compactua com aquilo que está dito. No espectador fica a certeza de que o que acabou de assistir necessitaria de um filtro mais poderoso ou de que somente perdeu o seu tempo. As atrizes – Regina Braga, Ana Beatriz Nogueira, Zélia Duncan e Luciana Braga – perseguem com sôfrega indecisão a linha solta de um humor inalcançável.