segunda-feira, 30 de abril de 2018

Temporada 2018


Crítica do Segundo Caderno de O Globo ( 30/4/2018)

Crítica/“Maria!”
Reflexos cênicos da crônica de uma cidade 
Antônio Maria (1921-1964) é o personagem do monólogo-recital-show que reúne crônicas e canções do jornalista-letrista-boêmio que viveu com intensidade a imprensa romântica da década de 1950/60, e a vida noturna da Copacabana das boates e do amanhecer na praia. A dramaturgia do ator Claudio Mendes percorre a infância e juventude no Recife natal e segue na agitação carioca, que o leva dos difíceis tempos das pensões na Lapa à meia-luz  do Sacha’s e das conversas regadas a uísque com os amigos compositores. Do balaio de lembranças festivas da adolescência são retirados, além da saudade e as inquietação do Menino Grande, a melancolia de seus versos, o sentimento de solidão e a matéria do cronista. (“A música me desvendará durante algum tempo. A poesia explicará o mistério”) A habilidade na seleção, tanto dos textos quanto do repertório musical, está na disposição de mostrar uma obra, mais do que biografar uma vida. As informações sobre Maria estão impregnadas naquilo que escreveu, em prosa e música, dispensando criar situações ou entrecho. (“Como não sou uma pessoa de futuro, tenho medo de ficar aqui, sempre aqui, nesta janela, contando os anos da minha vida”) A articulação cênica do roteiro, bem alinhavado, surge da simplicidade com que o humor auto-corrosivo (“Eu só não devo a mim mesmo por falta de crédito pessoal”) se contrapõe ao cansaço das dores (“A velhice chega de repente, às vezes, como um pássaro que pousa fatigado na varanda ao entardecer”) Os recursos minimalistas dos elementos de cena e a iluminação que envolve a plateia sustentam a direção de Inez Viana, procurando ligação estreita entre ator e público. Com um pequeno banco e uma bandeja, o intérprete busca, com malabarismo corporal, jogar para os espectadores, incentivando o coral de vozes da assistência madura, que adere imediatamente. Claudio Mendes estabelece, com a mesma sincera admiração que  traz da sua dramaturgia, essa ponte afetiva com quem o assiste, entregando-se  ao script, e ultrapassando suas limitações de cantor. A participação da violoncelista Maria Clara Valle confere solenidade sonora, que corresponde ao lado mais sombrio das canções de Maria. A playlist inclui do “Frevo N 1” e “Carioca 1954” a “clássicos” como “Ninguém me ama”, “Manhã de carnaval  e “Valsa de uma cidade”. (‘É o retrato do Rio, cidade que já foi livre, bonita e alegre. Hoje, da boca de cada carioca, sai um resmungo, um palavrão, um gemido. Tudo está irremediavelmente perdido, abandonado, sob um céu de névoa densa..”)