sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Temporada 2018

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (5/1/2018)

Crítica/ “Ayrton Senna, o musical”
Malabarismo para escapar da rota da história


“Ayrton Senna, o musical” demonstra, sem subterfúgios, suas pretensões. A mais evidente, é de se apropriar da imagem popular do piloto e reproduzi-la como homenagem oficiosa à sua memória. Utilizar o musical para extrair o maior volume de efeitos espetaculosos que o gênero, potencialmente, pode oferecer. E de buscar narrativa em dois tempos para alcançar o que não consegue esconder: a exaltação linear. O espetáculo, com texto e músicas originais de Claudio Lins e Cristiano Gualda e direção de Renato Rocha frustra cada uma dessas intenções com realização às avessas. O caráter biográfico, sem qualquer interferência interpretativa, prevalece como um exercício de preservar imagem intocável, que deve ser homenageada em roteiro de emoção dirigida. Dividida em fases, antes de ser tornar piloto e durante a sua carreira nas pistas, a história do menino Beco (apelido familiar), e a competição no circo da Fórmula 1, correm paralelas, com informação factual, e poucos desdobramentos dramáticos. A interseção entre os tempos, que a trilha sonora imagina encontrar, se perde numa sucessão de canções de sonoridade e letras inexpressivas. Os elementos cênicos se conjugam para criar estímulos visuais, que ganham o primeiro plano, na contramão da integridade da cena. É da velocidade da disputa no solo que se imagina tratar, mas a montagem se faz volátil, ganha os ares de movimentos de evasão. Os números aéreos, com atores-malabaristas, criam efeitos circenses na linha do Cirque de Soleil, e outros dispositivos cenográficos, como a roda gigante, sugerem espetáculos de dança. O cenógrafo Gringo Cardia desenhou com estilo e coerência a ambientação suspensa, mas que joga por terra a integração com a narrativa. Tanto que a coreografia de Lavinia Bizzotto fica reduzido a gestos que imitam mãos em invisíveis direções e passos de alcance curto. Os figurinos de Dudu Bertholini investem na variações de cor em macacões e capacetes, com alguns toques de brilho. A direção musical de Felipe Habib e o desenho de luz de Renato Machado estão revestidos de competência. Em elenco de mais de duas dezenas de atores e acrobatas, o conjunto se equilibra melhor nas evoluções no ar do que se destaca como personagens. Hugo Bonemer é um Ayrton contraído e pouco à vontade, mas que afinal é como o piloto é descrito neste musical.