sábado, 7 de outubro de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (7/10/2017)

Crítica/ “Zeca Pagodinho – Uma história de amor ao samba”
 
Trajeto pelos trilhos da Central  do subúrbio à Barra da Tijuca

Zeca Pagodinho está no pleno domínio de sua carreira de cantor e compositor, e da expressão, em música e letra, do samba carioca. A transposição, meramente biográfica, ou com caráter de homenagem, poderia ser reduzida aos convencionais e repetitivos musicais que seguem a cronologia das vidas ou exaltam a obra. Gustavo Gasparani, autor do texto, do roteiro, ator e diretor de “Zeca Pagodinho – Uma história de amor ao samba” ajustou o tempo cênico à contemporaneidade do seu ambiente cultural. O Zeca está vivo, presente em cena, dialogando com a própria história e convivendo com o universo de suas criações. Do nascimento, ilustrado com  mamada de cerveja,  ao grand finale, que resume nas canções “Deixa a vida me levar” e “Vai vadiar” um modo de estar no mundo, o garoto do subúrbio vai à Barra da Tijuca, se mantendo fiel a si mesmo  no caminho. É o que Gasparani procura mostrar, acompanhando o trajeto ao lado dos santos Cosme e Damião, narradores-guardiões do menino Jessé e protetores do sucesso de Zeca. Para encaixar repertório de quatro dezenas de músicas e acomodar detalhes na linearidade da biografia, o autor recorre a roda de samba, com paradas nas estações de trem da Central, para projetar, com traço de revista em quadros irregulares, o humor malandro e a linguagem irreverente de personagem tão identificado com o sotaque da cidade. Com esse farto material cênico, o diretor seguiu a generosidade do autor, e expandiu a montagem ao limite do derramamento. No primeiro ato, há uma tal carga de informações que o interesse corre o risco, felizmente driblado na maioria das vezes, de se perder em tantas variantes. No segundo ato, mais condensado e ágil, o musical encontra o ritmo exato. A cenografia de Gringo Cardia explode em sinais de estética popular em ladrilhos de botecos e rótulos de produtos, envoltos em brilhos purpurinados de memória revisteira. O figurino de Marcelo Olinto é multiplicado em belas figuras de sereia misteriosa e bate-bolas ameaçadores. A coreografia de Renato Vieira, simples no conjunto, é divertida nas minúcias. Basta notar os pequenos movimentos da dupla de santos. A direção musical, os arranjos de João Callado e o quinteto de instrumentistas estimulam a participação da plateia. Peter Brandão é um Jessé solto e à vontade, enquanto Gustavo Gasparani, um malemolente Zeca. Édio Nunes e Bruno Quixotte tornam simpáticas a dupla Cosme e Damião. Os demais atores – Flavia Santana, Wladimir Pinheiro, Lu Vieira, Douglas Vergueiro, Beatriz Rabello, Ana Velloso, Psé Diminuta, Ricardo Souzedo e Milton Filho – compõem coro afinado de intérpretes- cantores.