sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Temporada 2017

Ruth Escobar
"O balcão": espetáculo arrojado na carreira da atriz e produtora 


Ousadia parece ter sido a atitude predominante na vida artística de Ruth Escobar. Nenhum produtor no Brasil, levou tão adiante as suas escolhas teatrais quanto essa portuguesa que não media obstáculos para a realização cênica das mais contrastadas vanguardas de seu tempo. Entre os anos 1950, quando chegou a São Paulo, até o início dos anos 2000, quando voltou às origens, encenando “Os Lusíadas”, sempre foi estimulada pela inquietação por linguagens do momento e o enfretamento de condições adversas à sua expressão. Heterodoxa nos métodos e corajosa nas realizações, driblou censuras, propondo rompimentos e afrontando convenções, medindo forças em atos políticos e choques culturais. Os anos 1960 ilustram a arrancada desta mulher obsessiva na concretização de projetos que atendiam ao seu temperamento hiperativo. Seja no ônibus adaptado em palco, que percorria periferias ao encontro de plateias populares, e na construção de casa de espetáculos, que até hoje tem seu nome no bairro da Bela Vista, que Ruth carimbou em atos desabridos a sua pulsão por fazer. Ao importar o diretor franco-argentino Victor Garcia, em 1968, para dirigir “Cemitério de Automóveis”, rompe o espaço da representação, ocupando com a narrativa de Fernando Arrabal, galpão abandonado, novidade na época. Um ano depois, Ruth aceita o desafio de Garcia em encenar “O balcão” de Jean Genet. Numa montagem, amplamente demolidora, o teatro é posto abaixo, para ser erguida uma torre cenográfica espiralada, ao mesmo tempo palco e plateia, em que o delírio iconoclastia encontrava arrojada ritualística. Não sem razão, o espetáculo é considerado, há décadas, como basilar da dramaturgia cênica contemporânea, e que deixa, ainda hoje, lembrança arrebatadora a quem o assistiu. Mas este não foi o único marco na carreira da produtora. Os festivais de teatro, que comandou, de 1974 a 1996, não foram menos provocadores, com seu rastro inovador, carregado de perplexidades. Na estreia de “Time and life of Joseph Stalin” ( a censura obrigou a mudança de Stalin para David Clark”) no Teatro Municipal de São Paulo, a surpresa de assistir, pela primeira vez, a estética inusitada de Bob Wilson, surpreendeu o público, perdido diante de um código desconhecido. Levar “Autos sacramentales”, de Calderón de la Barca, com atores nus, à Pérsia (hoje Irã), provocou reações  recebidas como afronta. Ainda que tenha participado como atriz em muitas das peças que produziu, Ruth Escobar demonstra vocação secundária como intérprete. O seu verdadeiro métier  estava no bastidor das negociações com o estado policialesco, que enfrentava com a mesma disposição com que criava condições de impor, com verbas que lutava ferozmente para conseguir, a sua determinação de alcançar o furor no palco. A ferocidade em atingi-lo foi sua maior arma.