quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (16/8/2017) 

Crítica/ “Agosto”
Conflitos familiares em tom de novela
  
O texto de Tracy Letts se localiza numa área da dramaturgia entre o realismo psicológico e o melodrama de novela. A narrativa tem o ponto de inflexão em emoções, roteirizadas através dos sentimentos expandidos de personagens em situações extremadas, que os conduzem a permanente conflito. Da família que se reúne, após o desaparecimento do seu chefe, é traçado retrato desencadeado pelas crises domésticas de seus membros, liderados por matriarca, dependente de ansiolíticos e diagnosticada com câncer. Na descoberta do fim daquele que ligava uns aos outros, desvendam-se as tramas de laços descosturados, relações perigosas e desacertos de contas. A cada cena, um capítulo dos desencontros anuncia o próximo embate, sustentado pela fartura de diálogos que mantêm a voltagem da tensão. Letts acrescenta às regras técnicas de escrita teatral, condimentos de soap opera à americana, resultando em construção detalhada dos choques reveladores dos antagonismos, em crescente e manipulado argumento até ao clímax do desfecho. O diretor André Paes Leme rompeu com a cenografia realista da casa ensombrada em que decorre a ação, substituindo as dependências por tapetes, que marcam os espaços, e cadeiras, que definem paredes. Decisão arriscada, já que propõe simultaneidade de movimentos que quebra a intimidade e o secretismo narrativo e inviabiliza a temperatura pretensamente opressiva. Agosto não é um título gratuito, mas registro do verão no hemisfério norte, e do calor que abrasa as revelações familiares, percebido na montagem apenas por gestos e sem intensidade no termômetro dramático. A iluminação de Renato Machado procura definir, com luminosidades alternadas, as zonas de representação, com efeito parcial. Essa opção do diretor, joga sobre o elenco maior centralidade, que já é atributo essencial do texto. Aos 11 atores recai o desafio de individualizar interpretações, mantendo o equilíbrio do conjunto numa encenação tão dispersiva. Guida Vianna, que no início vive a matriarca em composição de leve ausência, marcada por voz embaçada e corpo trôpego, avança com melhor interiorização nas cenas de confronto. Letícia Isnard, a filha mais contestadora, tem maior constância na sua atuação. Isaac Bernart se apoia na mesma linha acessória do marido infiel. Claudia Ventura dispõe, com recursos um tanto histriônicos, as ilusões da outra filha. Marianna Mac Niven responde com distanciamento, o segredo da terceira filha. Lorena Comparato se fixa na imagem de garota rebelde. Guilherme Siman  tensiona, ainda mais, o neto reprimido. Eliane Costa oferece pouca variante à mulher que carrega o segredo. Alexandre Dantas e Claudio Mendes procuram desenhar perfis de personagens de temperamentos incompatíveis. Julia Schaeffer, escalada para o papel de narradora na abertura ao descrever o cenário que não se verá, é uma índia sem mistério.