quarta-feira, 7 de junho de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (7/6/2017)

Crítica/ “Ivanov”
Tchecov superexposto

O teatro de Anton Tchecov apreende mundos em declínio. Desejos sempre adiados se misturam a tédios impenetráveis, que desaguam em determinismos trágicos e continuidades sufocantes. Não há lugar possível para se viver, apenas escaninhos que acomodam mal frustações e perda das vontades, cenário de natureza prestes a ser abatida e de temores calados pelas incertezas sociais. Um quadro exposto de arestas e pontos de atrito que arranham sentimentos voláteis, inexplicáveis a cada tentativa de justificá-los, e que ganham realidade na inconsequência das atitudes. Os personagens tchecovianos são incompletos em seus atos, e se tocam por entre ligações movidas por interioridades, que nem sempre demonstram o que, verdadeiramente, sentem. Em diálogos entrecortados, reproduzem os embates que os aflige na frustrada tentativa de alcançar ou negar o outro. “Ivanov”, o primeiro texto longo do autor russo, traz as melhores qualidades de suas obras mais ambiciosas (“A gaivota”, “As três irmãs”, e “Tio Vânia”), e antecipa a delicadeza agreste com que se debruça sobre a melancolia provinciana. Ary Coslov evitou qualquer ruptura na sua montagem, mas quebrou a escala narrativa ao fixar os gestos e antecipar cenas futuras, com a presença do elenco na abertura. No tablado, no centro do palco, os atores definem o estilo interpretativo e o caráter de representação que o diretor imprime ao espetáculo. Está se construindo uma encenação, na qual se pretende sublinhar o detalhe. Coslov amplia os desvãos onde estão os personagens, preferindo a amplitude das emoções que os impulsiona,  evidenciando a sua exterioridade. A superfície é visível. A contraluz, apagada. Marcos Flaksman busca na cenografia realçar, mais do que evocar. As projeções ambientam com pouca envolvência, que a iluminação de Aurélio de Simnoni compensa com focos filtrados. Os figurinos femininos de Beth Flipecki  se destacam pelo desenho e boa execução. O elenco corresponde ao tom mais expansivo e aparente proposto aos personagens. Mario Borges nivela a sua atuação, por conta da verbosidade de Micha, o bêbado faz-tudo,  à energia física. Isio Ghelman equilibra, com distanciamento e ar ausente, o sombreado tédio de Ivanov. Bela e elegante como a frágil Ana Petróvna, Sheron Menezes está menos segura na última cena, sem força capaz de projetar trecho de “Tio Vânia. Mayara Travassos agarra o papel com a mesma impetuosidade de Sacha. Marcio Vito confere excessiva naturalidade ao proprietário Pacha, enquanto Marcelo Aquino é um acanhado e tímido médico apaixonado pela doente.