quarta-feira, 24 de maio de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (24/5/2017)

Crítica/ “Adeus, palhaços mortos”
 Zombaria em picadeiro terminal

Em situação profissionalmente terminal, três palhaços atendem ao anuncio de vaga em circo, desde que sejam velhos. Decadentes e aposentados estão à espera de serem atendidos, em meio a mútuas agressões verbais, exibindo misérias existenciais, e expondo crises da arte contemporânea. Para o autor de humor absurdo, o romeno Matei Visniec, o trio vive mundos sem volta, em torno dos quais, os sentidos se perderam. Na certeza cotidiana do  fim, o trabalho escasseia, e a criação se contrai, nas vozes dissonantes de clowns de picadeiros mortos. Não há zonas de escape. Confinados ao último espaço disponível, ainda que precário, desatam lembranças saudosistas, que se provam inúteis diante da impotência de as interpretar. Baseado em conto de Visniec, a adaptação do diretor José Roberto Jardim insuflou ar renovador e vigorante a um texto um tanto polarizado nas situações, e diversionista na forma narrativa. A montagem do grupo paulista Academia de Palhaços criou ambientação visual, limítrofe às imagens do diretor americano Bob Wilson, e aclimatou o espaço de contracena ao universo do autor irlandês Samuel Beckett. Em um cubo vazado, com pulsante vídeo-instalação, animações, iluminação, trilha sonora, além de figurino e visagismo marcantes, explodem efeitos, não apenas exteriores, mas de consistência dramática. O que é visto, conduz à memória de um lugar de representação, do qual restam destroços de harmonia e beleza, manchados pela incompreensão dos ruídos altos que emite, e do silêncio desconcertante que provoca. Em duas pausas, a ação é interrompida para que os atores bebam água e se dispersem junto à plateia, em rompimento dos limites do cubo e na reiteração de cenas na volta à quadratura de origem. Esse truque teatral, serve de quebra à sequência performática dos atores e torna real a visão ilusionista. No entreato revelador, o diretor contrapõe sonoridade desafiadora (são oferecidos protetores auriculares na entrada) à fúria sensorial, num embate que ultrapassa o formalismo esteticista, para alcançar a inflexão poética. Laíza Dantas, Paula Hemsi e Rodrigo Pocidônio, em qualificado trabalho corporal e vocal, são os intérpretes de rito teatral-performático que celebra, com a ironia da descrença, a perda da possibilidade de estar em um qualquer lugar. A última fala  com que os atores provocam a plateia, não deixa dúvidas sobre como o humor caustico pode resumir a zombaria de personagens em fim de linha.