quarta-feira, 22 de março de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (22/3/2017)

Crítica/ “Histeria”
Dali como bufão de Freud


Humor e psicanálise têm sotaque próprio no texto do inglês Terry Johnson. A forma como se confundem podem explicar como as características chauvinistas de um, e abordagem realista de outra, convivem com pouca interseção em uma única narrativa. Freud, se sabendo doente e próximo da morte, cochila até ser interrompido no seu torpor por uma moça, agitada e confusa. A guerra na Europa é iminente e esse encontro se inscreve entre questões políticas-religiosas e de ameaças da mulher em tirar as roupas e garantir, aos gritos, a sua presença inusitada. A garota revela, depois de muita conversa, a razão da insistência em perturbar o psicanalista. Contesta as teorias freudianas a partir do conceito de histeria que, se saberá ao final, tem relação a caso familiar. Em paralelo à discussão entre a paciente ocasional e o analista histórico, surge o pintor surrealista Salvador Dali, que participa da trama como uma figura estrangeira, caricaturalmente egocêntrica. E ainda resta o médico, que confirma a gravidade da doença de Freud e se empenha em destruir um dos seus escritos, por absurdo. Neste balaio de personagens, a comédia farsesca se infiltra no drama psicológico, que se perde no vaudeville postiço e desagua em cenas dispersivas. As tramas paralelas são entrecortadas por tantos apelos e gêneros, que não se encontra unidade estilística no jogo das linguagens. O diretor Jô Soares escolhe a comicidade rasgada para atenuar o peso dos diálogos mais sérios, deixando à mostra a desigualdade dramatúrgica do original. A direção procurou acelerar o ritmo para compensar os muitos diálogos expositivos e desenrolar o atrapalhado entrecho. Milton Levy, como o médico, tem a função de discutir teses e não ser visto. Erica Montanheiro é a histérica visitante. O Freud de  Norival Rizzo mantém distância do riso e do divã. Cássio Scapin, com a ajuda da caracterização física e interpretação exagerada, justifica as intervenções de Dali.