domingo, 19 de março de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (19/3/2017)

Crítica/ “O grande sucesso”
O teatro da realidade à ilusão

Não chega a ser um novo estilo de musical, mas acrescenta dramaturgia autorreferente ao gênero, expondo as semelhanças de estar do lado de cá (a realidade) e do lado de lá (o palco). Os instantes que os atores aguardam para entrar em cena é o espaço temporal para cantar e comentar os momentos de antecipar o espaço da ilusão. Atores e personagens se encontram no território determinado pela vida, que como numa sessão teatral, “começa, aí acontecem coisas e, aí, acaba”. Com humor cáustico, insinuações líricas e doses críticas de autoajuda teatral, o autor e diretor Diego Fortes, além  das músicas de Alexandre Nero e elenco brincam com os atrasos no cachê e as perdas de editais. E parafraseiam Fernando Pessoa em poema em linha torta (“todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo/ que bom que somos todos bons/ imaculados, infalíveis, invioláveis e inocentes”). A grandeza do sucesso, diminuída pela enganosa atração para alcançá-la, se repete como ironia no determinismo da finitude da canção “Bactérias”. Em quadros, que antecipam as entradas em cena, o elenco canta com letras discursivas, a ameaça do fracasso abismal e o lirismo de estar só, em trilha sonora de variações rítmicas e tonalidades sensíveis. A montagem tangencia boas ideias, se descosturando um tanto na realização, mas nada que comprometa o sopro de artesanato inventivo que a cenografia de Marco Lima e o design de luz de Nadja Naira reforçam. O visual atraente se complementa no figurino de Karen Brusttolin e no vigasismo de Wilson Eliodoro e Junior Mesquita A musicalidade envolvente da direção musical de Gilson Fukushima encontra nas vozes dos atores a expressividade de um coro afinado. O elenco – Alexandre Nero, Carol Panesi, Edith de Camargo, Eliezer Vander Brock, Fabio Cardoso, Fernanda Fuchs, Marco Bravo e Rafael Camargo – é o instrumentista deste concerto teatral em que “todos somos obrigados a viver sem saber como”.