quarta-feira, 15 de março de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo

Crítica/ “Ubu rei”
Mãe e pai Ubu e suas soluções imaginárias 


É mais uma questão formal do que de qualquer possível revisionismo. Ao encenar o texto de Alfred Jarry, os adaptadores e diretores contemporâneos buscam nas repercussões históricas e arroubos dramatúrgicos que o original provocou ao longo do século passado, reproduzi-los, atualizados. Mas como capturar a velha provocação e recriar os datados abalos, mantendo o desgastado vigor desabusado para encontrar seus ecos com alguma reverberação? O adaptador Leandro Soares e o diretor Daniel Herz procuraram no enxugamento e redução na duração da trama, já em si bastante simplificadora, abordá-la na trilha das situações e com pouca intervenção nos ainda maleáveis nonsense e “soluções imaginárias”, como ensina a patafísica de Jarry. As possibilidades seriam as de tratar esse bufão, infantilmente désposta e covardemente ridículo, como metáfora ou símbolo, ou localizar suas patifarias circenses na arena dos grotescos. Nesta versão, a interferência mais significativa está na cenografia de Bia Junqueira pela reinterpretação de signos surrealistas e de sinais antropofágicos. O cenário de uma festa é figurado por tetas de vaca que servem de copos. Bocas dentadas e grande olho devoram e vigia a jornada plana de um Ubu descolorido. A ambientação, com forte traço surreal e absurdo, se refere mais às inspirações que o texto provocou, do que estabelece diálogo com a contida montagem. A direção se concentrou nos paralelismos a certas práticas no exercício do poder, sem encontrar sintonia com tonalidade mais vibrante do humor. As cenas se sucedem em quadros estanques, distante de comicidade identificável e sensível ao anárquico e a rupturas, o que o figurino de Antonio Guedes contempla em parte. A iluminação de Aurélio de Simoni oscila entre o efeito espetacular e a concentração nas cenas de duplas. Tanto o grupo Atores de Laura - Ana Paula Secco, Marcio Fonseca, Leandro Castilho, Paulo Hamilton e Verônica Reis -, quanto o restante do elenco -  Cadu Libonati, João Telles, Tiago Herz e Renato Krueger – têm participação acessória ao casal protagonista. Rosi Campos se apropria com maior segurança do humor debochado da mãe Ubu e Marco Nanini imprime ar bonachão a um pai Ubu enquadrado.