quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (8/2/2017)

Crítica/ “O pão e a pedra”
Um círculo sindical em torno de uma mãe coragem


“O pão e a pedra” é mais uma afirmação cênica da estética brecthiana e ideologia política que identificam e impulsionam a trajetória do grupo paulista Companhia do Latão. O teatro é para a companhia, desde a sua fundação em 1996, um ato intervencionista em realidade dividida em classes, praticado como ação dialética, e diante do qual a dramaturgia assume função de exemplificar e mobilizar. É sob este enquadramento que o diretor Sergio de Carvalho estabelece, fiel aos princípios do coletivo, as bases político-dramáticas para se debruçar sobre a greve do ABC paulista, em 1979. O movimento, que paralisou as montadoras de automóveis, na vigência da ditadura militar, reuniu as várias correntes do sindicalismo, com adesão de ala da Igreja e de estudantes, está no palco em paralelo a exposição da vida de operária, uma mãe coragem. As discussões sobre a linha de atuação ao longo da greve são acompanhadas por essa personagem feminina que se torna uma contradição modelar entre a necessidade do pão e a força da pedra. Os planos narrativos se interpõem em quadros sequenciais, que se desdobram para explicitar papéis políticos e individualizar consequências. Ao longo de 2h50, com intervalo de 15 minutos, a montagem patina na superfície das transformações a que a mulher se submete diante do pretendido didatismo do cenário grevista. O fluxo entre questões sindicais e reação pessoal emperra no detalhamento excessivo de uma, e no acento melodramático de outra. A síntese se perde nas intenções prolixas e se pulveriza na necessidade de evidenciar a conclusão: “a luta continua”. A arena circense da cenografia de Cassio Brasil determina a circularidade da ação e a música de Lincoln Antonio, com direito a notas da Internacional Comunista, comenta o desenvolvimento dos debates. Do elenco – Beatriz Bittencourt, Beto Matos, Érika Rocha, João Filho, Rogério Bandeira, Sol Faganello e Thiago França, todos vivamente identificados com a proposta do espetáculo – Helena Albergaria e Ney Piacentini têm interpretações mais amadurecidas.