domingo, 12 de fevereiro de 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (12/2/2017)

Crítica/ “Os vilões de Shakespeare”
Shakespeare ao estilo stand-up

Os ingleses gostam tanto de Shakespeare que não resistem a fragmentar e disseminar a sua obra. É uma tal profusão de coletâneas que reúnem jogos de poder, reis, rainhas e tantos outros personagens em compilações fatiadas. Chegou a vez dos vilões, agrupados por Steven Berkoff, e selecionados, menos pela intensidade de suas vilanias, e mais à serviço de didática niveladora. Cada um deles, retirados das tragédias do autor, é reduzido ao retalhamento de seus atos, expostos em cenas curtas, com pequenas informações sobre suas características. De Ricardo III, resta apenas a deformidade física. De Iago, fica o trânsito em alta velocidade pela trama de ciúme. De Hamlet, procura-se ajustar o conceito do espetáculo à ideia de vileza. De Coriolano, sobra pouco mais que um traço. De Macbeth, evita-se a supersticiosa pronúncia de seu nome. É da natureza dessas seletas que sejam sobrevoados detalhes e anemizadas análises interpretativas. O problema está na forma como se aterrissa na costura temática. Berkoff investiu na pasteurização dos personagens, abordados na dimensão linear de suas atitudes e nos maneirismos de sua facilitação. O invólucro, além do didatismo, circunscreve no humor o alcance de sua ambição, em visível contradição ao anúncio do título. A tradução e adaptação de Geraldo Carneiro levam mais adiante a inclinação para o humor, referendando a impressão de assistir a uma shakesperian stand-up. Marcelo Serrado não deixa dúvidas para que lado se volta. O diretor Sérgio Módena conduz o ator pela trilha da comunicação direta, explorando atuação mais solta e sem impostações, que parecem se ajustar ao temperamento do intérprete. Nos 70 minutos do monólogo, o diretor mantém o tom de conversa, sem ênfases, com a plateia, com exceção do final, em que desmente o intimismo em explosão de luzes e som. No diálogo com os espectadores, Marcelo Serrado está à vontade em citar personagens e gêneros que já viveu e buscar a adesão com recurso à espontaneidade. Mas ao expor os vilões, torna indistinta a sua realização interpretativa.