quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (18/1/2017)

Crítica/ “Ocupação Rio diversidade”
Imagem de sexualidade múltipla

Os quatro monólogos reunidos sob o título de “Ocupação Rio diversidade” expõem quadro cênico de questões de gênero. Com visões afirmativas, contestatórias e factuais, as peças curtas (20 minutos cada) são introduzidas por drag queen, que se reveste, com sua imagem e fantasias, de uma quinta voz. Se na origem, a montagem procurou marcar posição e localizar conflitos, no desenho de palco, individualiza a força dramática dos textos pelas suas características dramatúrgicas e detalhamento de subjetividades. Desta forma, amplia a valoriza a escrita, não somente pelo impulso inicial de retrato e denúncia, mas ao desvendar, por contrastes, manifestas sexualidades. A palavra está na sua mínima expressão emocional, permitindo que alcance maior significado na explosão surda das rejeições e na violência explícita do banimento. Cada uma das quatro cenas é assinada por um autor e diretor que definem seu espaço temático-vivencial com características próprias e até com atritos entre elas, mas que compõem desenho de linhas e tons firmes. Marcia Zanelatto em “Genderless – Um corpo fora da lei” trata do caso de um australiano que se tornou, depois de lutar contra a burocracia estatal, uma pessoa sem gênero (o “genderless” do inglês). A narrativa desta batalha é menos relevante do que a reflexão sobre a multiplicidade de sentimentos no processo de enquadramento, ou indefinição, nas variantes de identidade. O diretor Guilherme Leme Garcia reduziu a cenografia e iluminação a um tablet que Larissa Bracher manipula em uma interpretação modulada pelo despojamento essencial e vertigem do desconhecido. Aparentemente simples e direta, a atuação de Larissa Bracher contém minúcias e delicadezas que o texto oferece com generosidade e que atriz vive na mesma sintonia. Daniela Pereira de Carvalho em “Como deixar de ser” tira, parcialmente, uma mulher de meia-idade do armário. No cenário de roupas presas à parede, metáfora de decisão pendurada, ela se debate contra seus verdadeiros desejos. Renato Carrera dirige Kelzy Ecard insuflando na intérprete alguma intensidade que se opõe à carga reprimida que comanda as atitudes de quem não se deixa descobrir. Joaquim Vicente em “A noite em claro”, com direção, vigorosa e ao mesmo tempo sutil, de Cesar Augusto, se avizinha da realidade do assassinato de Luiz Antonio Martinez Correa na década de 1980, ao ficcionar o encontro com o provável matador. Em contundente relato, o garoto de programa se despe de qualquer limite e apunhala aquele que ecoa o seu desejo espelhado. Thadeu Matos, em atuação segura, se movimenta com corajoso desempenho corporal por velório de facas e projeções de sombras. Jô Bilac em “Flor carnívora”, com direção de Ivan Sugahara e atuação de Gabriela Carneiro da Cunha, ficou um tanto aprisionado ao mote proposto com a sua comédia discursiva sobre o hermafroditismo das plantas.