quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Temporada 2016

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (14/12/2016)

Crítica/ “A vida passou por aqui”
O tempo e seus duplos


O  texto de Claudia Mauro vive de dualidades. Sílvia, professora, e Floriano, contínuo, falam de suas vidas em tempos diferentes. Velhos, ela se recuperando numa clínica, e ele, animando-a em constantes visitas, voltam ao que já viveram, reconstruindo lembranças. O presente é ilustrado pelo passado e a senilidade pelos sopros da juventude, em constante vai e vem de épocas, sublinhadas por emoções, algumas com humor, outras melodramáticas. Circulando por pontos contrastados, a autora traça diferenças sociais entre os personagens e esboça a construção duradoura dos sentimentos entre eles. Cada passo da história comum, avança sobre amizade costurada em vivências cotidianas e fixada em mútua solidão. Claudia apoia a distendida relação em diálogos que oscilam entre o cuidado em não carregar no piegas e manter a leveza de uma conversa de vovozinhos. Não se pretende ir além desse quadro amoroso de tonalidade cordial, desviando-se de qualquer perfil psicológico de natureza especulativa. Sílvia e Floriano são o que representam como tipos definidos por sua emotividade. Desenhados para provocar bons sentimentos, com quebras que os aproximam da comédia e arranham o drama, mas sem deixar que os extremos ressaltem individualmente. A direção de Alice Borges trabalha no filamento desses gêneros, buscando a dosagem que equilibre a recorrência e os apelos da situação central. O cenário de Nello Marrese se acomoda em seu intimismo realista ao pequeno palco do Café Pequeno, e o figurino de Ana Roque explora, com trocas de adereços, as variações das idades. Édio Nunes investe na sua agilidade corporal para movimentar a passagem dos anos. Cláudia Mauro, com o recurso de um xale e mudanças de gestos e voz, faz como intérprete as trocas que imaginou como autora.