quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (12/10/2016)

Crítica/ “Nu de botas”
A dança das descobertas infantis 

Em “Nu de botas”, Antonio Prata revive com humor lembranças da infância, registrando numa sucessão de histórias o primeiro olhar sobre o mundo adulto. São memórias da inocência do menino na percepção de um universo que  vai se construindo com a separação dos pais e as dúvidas provocadas por imagem de ato sexual. Na recriação dos casos infantis, o autor narra o que viveu com a espontaneidade das sensações de viajar a nado até a África e de telefonar para o ídolo da televisão. Na tradição da crônica, cada episódio tem a leveza de citação ao passado, nunca nostálgica, sempre evocativa. Prata evita a idealizar o passado, revitalizando as recordações com a habilidade de cronista em transformar sua vida em material literário. O circunstancial e o ingênuo ganham a relevância de uma brincadeira de estilo sem a infantilização dos meios. A dramaturgia de Cristina Moura (também diretora) e Pedro Brício adapta pouco mais de uma dezena de pequenas histórias na mesma sintonia em que foram escritas. Ágeis, engraçadas e despretensiosas, as narrativas encontram na dupla de adaptadores igual  ritmo da voz de criança que ecoa o cronista esperto. A direção foge do tatibitate e aposta na comicidade que relações familiares e terrores da pouca idade, involuntariamente ou não, caracterizam a “aurora da vida”. Como transpor os cuidados paternos para proteger a prole do final trágico de “Romeu e Julieta”? E como criar jogos cênicos para comentar viagens de férias e pressões fisiológicas? Cristina Moura propõe um fluxo de quadros, distribuídos por cinco atores que ativam palavras simples em ação física intensa, imprimindo expectativa para a próxima cena e ampliando a margem para explorar os recursos interpretativos do elenco. Inez Vianna, Isabel Gueron, Pedro Brício, Renato Linhares e Thiare Maia Amaral formam um “ensemble” harmônico que ativa, em moto contínuo, crônicas divertidas.