quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (5/10/2016)

Crítica/ “Céus”
Mistérios de um atentado enunciado 

Há na dramaturgia de Wajdi Mouawad paralelismos que se apoiam em confrontos políticos e sociais, ambientação contemporânea e em cenário de variados conflitos. As situações que emergem dessa ampla estrutura narrativa, convergem para uma cena que flagra os estilhaços de lutas, de raiz perdidas, em que o indivíduo não domina suas atitudes e se torna sujeito apenas do trágico que o cerca. Em “Céus”, o autor franco-libanês é fiel ao seu arcabouço dramático, mas com maior paralelo de estilos. Em planos alternados, reúne investigadores para detectar e abortar atentado prestes a ser deflagrado. Ao lado de desvendar as características pessoais do grupo. A convergência entre a descoberta do esquema terrorista e a implicação e  consequências de cada um na trama, determina dois estágios, formalmente distintos. O quebra-cabeças que se constrói com peças de obras de arte e leva à revelação do quadro final, se assemelha a um jogo de pistas a serem seguidas, como num caso de mistério. Já o envolvimento dos personagens, segue roteiro para que não escape a coerência, acrescido de leve tonalidade melodramática. Ligar as linguagens e encontrar o ritmo são os desafios para o diretor, que na versão de Aderbal Freire- Filho se amarram, até mesmo quando pontas soltas do autor abrem brechas para a dispersão e o previsível. Aderbal desata esses nós em cortes rápidos e tempo cinematográfico, capazes de agilizar a ação, como demonstram os deslocamentos em torno da cama. A emperrada tentativa de integrar o espectador, conduzindo-o ao palco ou falando diretamente à plateia, não desvia a atenção do que está para ser descoberto. A direção imprime, para além da “solução” do caso, mantido numa atmosfera de ameaça, subjetividade solitária às atitudes dos personagens, acrescentando-lhes maior coloração. A cenografia de Fernando Mello da Costa é funcional, a iluminação de Maneco Quinderé discretamente interveniente, e a música de Tato Taborda, precisa. As projeções da Radiográfico têm papel decisivo como diálogo visual. O elenco parece à procura de se ajustar ao tempo de edição de cinema proposto pelo diretor. Os atores, em movimentos que antecipam, ao contrário de encontrar a espontaneidade do gesto, tensionam suas interpretações no limite da rigidez e da pouca nuance. Silvia Buarque de Holanda se distancia da aridez emocional da tradutora que confessa assassinatos de familiares. Rodrigo Pandolfo reveste a ambição pelo poder de inconsequente briga de egos. Isaac Bernat se apropria com autoridade do papel de administrador demitido. Charles Fricks adota sobriedade na sua atuação, que se perde na difícil e emotiva quadra final. Felipe de Carolis é vencido por sua imaturidade como intérprete.