sábado, 20 de agosto de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (20/8/2016)

Crítica/ “As cadeiras”
Duo interpretativo em tons diferentes

Para assistir a versão de “As cadeiras”, dirigida por Ney Latorraca, é necessário conhecer a ambientação que o autor, o romeno Eugène Ionesco estabeleceu para os dois velhos em cena. O casal que recebe figuras socialmente importantes para uma conferência definitiva sobre verdades da existência, esgotam em  palavras o sentido da finitude de suas vidas. As figuras dos convidados estão representadas por cadeiras, que se acrescentam na medida em que cada um é citado. A materialidade mobiliária dos convivas é determinante para a composição física e para a interpretação de código verbal que ressalta ritual de formalidades e atos de convivência ocos. Não obrigatoriamente o par de velhos necessita aparentar a idade, mas parece indispensável a exposição da decrepitude: das relações humanas, das palavras vazias e da passagem do tempo. Por mais que se conceitue a dramaturgia de Ionesco como ligada ao teatro do absurdo, a apropriação da terminologia precisa se traduzir na estranheza que ultrapassa o realismo da situação central, e alcance o indeterminismo dos diálogos. Neste exercício de linguagem, que tem origem no drama realista e se concretiza nos substratos do ilógico, só se torna possível no palco quando há circulação entre os dois planos. Ainda que Ionesco transfira à plateia o preenchimento das imagens abstratas do jogo cênico, há que interpretá-lo de forma mais concreta. A direção de Ney Latorraca faz uma leitura plana, reduzindo a cenografia e a contracena dos atores. Diretas e frontais, as interpretações procuram se afirmar como presenças individuais, e não como atuação em dupla. A descaracterização etária e a sobriedade visual restringem, na sua expressão simplificadora, o espaço de uma narrativa já muito explorada. O diretor obscurece a montagem, sem revelar alguma visão que justifique a ausência de clareza e das razões para se encenar texto com data e assinatura tão assinaladas. Tássia Camargo e Edi Botelho percorrem, em atuações paralelas, caminhos que individualizam, em tons diferentes, a musicalidade dramática que só se justifica como duo.