quarta-feira, 20 de julho de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (20/7/2016)

Crítica/  “Gata em telhado de zinco quente”
Sensualidade em efervescência
Em 1955, quando escreveu “Gata em telhado de zinco quente”, Tennessee Williams acrescentava às suas obsessões dramáticas a homossexualidade de maneira mais explícita. O tema, tão sensível ao puritanismo da época, se tornava o centro da trama em que a sexualidade, reprimida e em permanente estado de tensão, eclode em uma família, marcada pela doença do patriarca e a ambição da sua descendência. A narrativa se estabelece em torno de sentimentos velados que afloram em impulsos, e chegam à superfície como entrechoques de guerras interiores. O realismo psicológico do autor, baseado em diálogos construídos com precisão e costurados sob um universo social de contornos definidos, transforma os textos de Williams em exemplares bem acabados do gênero. A “Gata...” se mantém íntegra como dramaturgia pela solidez de sua estrutura, sem que acuse os arranhões do tempo. Se na época de sua estreia provocou reações de falso moralismo, a atual revisão confirma as suas melhores características e integridade formal. Eduardo Tolentino de Araujo, coerente com sua trajetória de diretor, é de fidelidade absoluta à palavra do autor e à limpidez de sua expressão. O diretor procura a contraluz dos personagens sob o foco da sua ação real, criando com esse balizamento cênico, uma tensão surda, carregada de subjetividades. Consegue sustentar a atmosfera densa nos longos e, algumas vezes, distendidos confrontos, com minucias de um olhar penetrante. Das poucas intervenções que fogem a este enquadramento, está o cenário de Ana Mara Abreu e Alexandre Toro. Como se concentra no quarto de Maggie e Brick, sob o teto da mansão rural do Paizão, o uso de grandes espelhos que separam o cômodo da varanda, a funcionalidade dos painéis, expandem o confinamento, e comprometem as cenas em que os personagens espreitam. O casal ambicioso Mae e Gooper, interpretado por Fernanda Viacava e André Garolli, é menos satisfatório, permitindo a dupla pouco mais do que explorar o papel de coadjuvante do conflito. Noemi Marinho empresta um ar de submissão calculada à Mãezona, tornando nítido o seu comportamento astucioso. Augusto Zacchi, com alguma semelhança física a Paul Newman, que interpretou o mesmo Brick na versão cinematográfica da peça, em 1958,  dosa silêncios intensos e explosões bem medidas. Zécarlos Machado encontra o equilíbrio entre a virulência, vulgaridade e os sentimentos do Paizão. Bárbara Paez é um Maggie de sensualidade quente, numa transcrição um tanto literal do que prenuncia o título.