quarta-feira, 16 de março de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (16/3/2016)

Crítica/ “Hilda e Freud”
A paciente à procura de seu monólogo

A escritora Hilda Doolittle, na Viena dos anos 1930 e sob a ameaça da ascensão do nazismo, se submete a sessões de psicanálise com Sigmund Freud. Trazendo vivências dolorosas de perdas familiares, de desencontros amorosos e de traumas sociais, explora as razões para o bloqueio criativo, que a impede de  encontrar a sua expressão poética. Em forma de cartas, Hilda descreve o diário de sua análise com Freud, em paralelo aos acontecimentos que assolaram a Europa e resultaram na Segunda Guerra. Os textos de H.D., como era chamada, reproduzem as suas experiências no divã, corporificando na palavra escrita a abstração de sensações profundas. Mais do que na relação terapêutica com o célebre analista, a paciente deflagra com prosa poética os enigmas de sentimentos que compõem experiências inconscientes. Pela amostra que a narrativa de Antonio Quinet propõe como ensaio dramático, a autora traduz o impacto emocional e os significados de vivências, dentro e fora do consultório, como associações livres em estado informe. Quinet demonstra sensibilidade para projetar, a partir dos escritos de Hilda, a força desse pensamento que se manifesta em desordem libertária e tempo fragmentado. A sua dramaturgia, no entanto, demonstra fragilidades que podem ser atribuídas às tentativas de tornar didático o que deveria se manter como literatura. A necessidade de enquadrar a época e ambientar as situações se transforma em aulas,  que roubam espaço à locução onírica e a individualidade da emissão. Como monólogo, “Hilda e Freud” concentraria melhor as sessões daquela que confia ao mestre o fervor de suas dúvidas. Freud é uma presença em contraluz, figura que se delineia a partir das palavras de quem assume a fala pessoal. A direção da dupla Antonio Quinet e Regina Miranda embarca nesse didatismo, quebrando com cenas entrecortadas a fluência narrativa e o desequilibrando o ritmo. A direção de arte e cenografia de Analu Prestes se ressente, no desenho simples e despojamento, da amplitude do palco que a abriga. As projeções se apagam e a concentração, na área do fundo infinito, se dispersa. Antonio Quinet acentua como Freud, a quem empresta sua figura assemelhada, o descompasso entre a carga verbal de Hilda e o que poderia ser apenas um prudente contraponto do criador da psicanálise. A inexperiência de Quinet como ator, deixa a sua interpretação um pouco mais deslocada, em especial diante da sensível atuação de Bel Kutner. A atriz, com economia de recursos e detalhamento das emoções, empresta voz suave aos conflitos interiores de Hilda Doolitle.