segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (20/9/2015)

Crítica/ “Por amor ao mundo – Um encontro com Hannah Arendt”
O pensamento como ato político

O que ressalta em “Por amor ao mundo”, título de um dos livros da alemã Hanna Arendt e do texto teatral de Marcia Zanelatto, é o exercício do pensamento como ato político. Na prática intelectual desta filósofa judia, que viveu as consequências do totalitarismo nazista, reflete-se, sob a disseminação de atos desumanos e a banalização do mal, o espaço existencial desocupado de pensamento, um vazio que torna possível manifestações de violência e de atrocidades. Marcia Zanelatto construiu uma narrativa para desvendar os caminhos, pessoal e intelectual, que levaram Hanna Arendt a interpretar o seu tempo para além dos atos marcados pelo momento histórico. A autora contrapõe a jovem aluna, e também amante, de Heidegger, ao seu fiel e devotado marido por 30 anos, Heinrich Blucher. A presença desses homens em sua vida é apresentada com pretexto para tocar nas ligações do filósofo com o nazismo, e para situar a convivência com o pacato Blucher ao emigrar para os Estados Unidos. É através da correspondência com a escritora americana Mary McCarthy que surge, para além da pensadora, a mulher na troca de receitas e de trivialidades do cotidiano. A repercussão do artigo publicado na New Yorker sobre o julgamento do carrasco Adolf Eichmann pode ser acompanhada, numa conversa de Hanna com uma garota cheia de certezas, numa viagem de trem. Com esta envolvência dramática simples, sem didatismos e com bem medida abrangência, Marcia Zenelatto afirma o pensar como síntese da locução substantiva da autora de “A condição humana”. A depurada transposição dramatúrgica consolida-se numa citação: “A única forma de sobreviver a uma história que não se pode nem esquecer, nem perdoar, é narrando-a”. Isaac Bernat procura na encenação uma linha entre o caráter reflexivo e a atmosfera expositiva, que se mostra mais desenvolta ao ilustrar do que ao buscar significados. Há um certo lirismo invade a cena, como na coreografia que abre e encerra a montagem, comprimindo em movimentos escapistas o que as palavras reproduzem em tensionamento. A tendência à formalização dos meios expressivos, fixada no desenho cenográfico de Doris Rollemberg e na luz de Aurélio de Simoni, determina o desempenho frio e equidistante do elenco, que transmite uma emoção contraída. Mesmo na cena final, quando as atrizes, de mãos dadas, projetam um sereno entendimento, falta o detalhamento do percurso. Eventuais ponderações não comprometem a atuação de Kelzy Ecard, uma Hanna Arendt de arestas aparadas, mas com luminosidade. Carolina Ferman empresta, em intervenções corretas,  a vivacidade de Mary McCarthy e da companheira de viagem de Hanna. Michel Robim se desdobra como dançarino e ator.