domingo, 27 de setembro de 2015

Temporada 2015

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Temporada 2015

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (23/9/2015)

Crítica/ “Andança – Beth Carvalho, o musical”
Três tempos de um repertório biografado 

Ao escrever um musical sobre Beth Carvalho, o autor Rômulo Rodrigues reverenciou a carreira e, secundariamente, a vida da garota nascida na Zona Sul e que se tornaria referência do samba do subúrbio. O caráter biográfico se confunde com a homenagem, formato encontrado para reviver a trajetória da cantora que, em plena atividade profissional, foi a maior fonte da pesquisa. O roteiro não se desvia da cronologia factual, iniciada nas aulas de balé da infância e concluída na alegria da superação. Sem maior detalhamento e comentários, são repassados acontecimentos familiares, casamentos, política, numa sucessão expositiva que é insuficiente para relacionar o ambiente musical da época e valorizar a discografia. As informações seguem a rigidez da linha do tempo, em que as variantes estariam na apresentação do repertório, ponto central na padronização de quadros em alternância de ação e canto. Invariável em quase três horas de duração, a narrativa está ajustada à seleção musical com a previsibilidade do registro disciplinado de cinco décadas de participações em festivais, lançamentos de compositores e produção de discos. A tentativa de quebra desta uniformização, já bastante explorada em musicais do mesmo gênero, fica restrita à caricaturada fã, que ao telefone com uma amiga obtusa, acompanha a evolução e o sucesso da intérprete de “Vou festejar”. Mesmo esse recurso, popularesco e desgastado, se perde no fôlego curto de insuflar vivacidade a uma dramaturgia engessada. O diretor Ernesto Piccolo administra com desenho coreográfico a partitura binária de cenas curtas e músicas longas, buscando manter a fluidez entre ambas. Nem sempre consegue harmonizar o texto de tom único ao ritmo da música. O diretor reforça o entra e sai de quadros apenas como introdução à sonoridade, que ganha destaque pela efusão que provoca como memória da sambista. A direção musical de Rildo Hora, responsável pelos discos mais destacados de Beth Carvalho, mantém a solidez do melhor de uma parceria, e garante a qualidade do conjunto de músicos. A cenografia de Clívia Cohen é responsável pela funcionalidade das mudanças de cenas, e a iluminação de Djalma Amaral pela luminosidade feérica, que sugere a de um show. O figurino de Dani Vidal e Ney Madeira acompanha as variações do modo de vestir em 50 anos. O elenco de 23 atores, com equilibrada direção vocal de Pedro Lima, se desdobra em múltiplos papéis, na maior parte,  tipos aparentados a figuras conhecidas. Beth Carvalho é interpretada por três atrizes em idades diferentes. Jamilly Mariano revela a ingenuidade da menina. Stephanie Serrat a jovem em início de carreira, e Eduarda Fadini, a mulher na maturidade. Das três, Eduarda Fadini é quem melhor se aproxima, vocalmente e como intérprete, da recriação da personagem real. Ana Berttines, como a fã, não tem receio de extrapolar os limites do humor direto, com infalível efeito na comunicação com a plateia.                       

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (20/9/2015)

Crítica/ “Por amor ao mundo – Um encontro com Hannah Arendt”
O pensamento como ato político

O que ressalta em “Por amor ao mundo”, título de um dos livros da alemã Hanna Arendt e do texto teatral de Marcia Zanelatto, é o exercício do pensamento como ato político. Na prática intelectual desta filósofa judia, que viveu as consequências do totalitarismo nazista, reflete-se, sob a disseminação de atos desumanos e a banalização do mal, o espaço existencial desocupado de pensamento, um vazio que torna possível manifestações de violência e de atrocidades. Marcia Zanelatto construiu uma narrativa para desvendar os caminhos, pessoal e intelectual, que levaram Hanna Arendt a interpretar o seu tempo para além dos atos marcados pelo momento histórico. A autora contrapõe a jovem aluna, e também amante, de Heidegger, ao seu fiel e devotado marido por 30 anos, Heinrich Blucher. A presença desses homens em sua vida é apresentada com pretexto para tocar nas ligações do filósofo com o nazismo, e para situar a convivência com o pacato Blucher ao emigrar para os Estados Unidos. É através da correspondência com a escritora americana Mary McCarthy que surge, para além da pensadora, a mulher na troca de receitas e de trivialidades do cotidiano. A repercussão do artigo publicado na New Yorker sobre o julgamento do carrasco Adolf Eichmann pode ser acompanhada, numa conversa de Hanna com uma garota cheia de certezas, numa viagem de trem. Com esta envolvência dramática simples, sem didatismos e com bem medida abrangência, Marcia Zenelatto afirma o pensar como síntese da locução substantiva da autora de “A condição humana”. A depurada transposição dramatúrgica consolida-se numa citação: “A única forma de sobreviver a uma história que não se pode nem esquecer, nem perdoar, é narrando-a”. Isaac Bernat procura na encenação uma linha entre o caráter reflexivo e a atmosfera expositiva, que se mostra mais desenvolta ao ilustrar do que ao buscar significados. Há um certo lirismo invade a cena, como na coreografia que abre e encerra a montagem, comprimindo em movimentos escapistas o que as palavras reproduzem em tensionamento. A tendência à formalização dos meios expressivos, fixada no desenho cenográfico de Doris Rollemberg e na luz de Aurélio de Simoni, determina o desempenho frio e equidistante do elenco, que transmite uma emoção contraída. Mesmo na cena final, quando as atrizes, de mãos dadas, projetam um sereno entendimento, falta o detalhamento do percurso. Eventuais ponderações não comprometem a atuação de Kelzy Ecard, uma Hanna Arendt de arestas aparadas, mas com luminosidade. Carolina Ferman empresta, em intervenções corretas,  a vivacidade de Mary McCarthy e da companheira de viagem de Hanna. Michel Robim se desdobra como dançarino e ator.             

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (16/9/2015)

Crítica/“Ataulfo Alves – O Bom Crioulo”
As velhas e superficiais conversas de mesa de bar

Mais um capítulo da novela dos musicais biográficos, que ao que parece só chegarão aos episódios finais quando escassearem nomes a se submeterem à fórmula: volumoso repertório musical e magra dramaturgia. “Ataulfo Alves - O Bom Crioulo” não se desvia da corrente interminável do gênero, repetindo os elementos que, em algum momento, foram considerados infalíveis para manter o interesse do público, mas que agora se esgotam pela redundância em usá-los. As canções do cantor-compositor se sucedem como em um show, e a vida é apenas um acessório para introduzir o setlist, sem maiores cuidados dramáticos. Para lembrar a infância, recorre-se a “Miraí” e a “Meus tempos de criança”, em citação à cidade de nascimento de Ataulfo e as lembranças infantis. Para ilustrar as discussões com os parceiros Mario Lago e Wilson Batista, canta-se “Ai que saudade da Amélia” e “O bonde São Januário”. E nesta relação direta, sequencial e cronológica são apresentadas mais de duas dezenas de composições do autor de “Pois é”, confirmando a qualidade de tantas e tão variadas músicas, ainda que se mantenham na superficialidade da exposição cênica. O texto de Enéas Carlos Pereira e Edu Salemi reproduz todas as convenções do manual não codificado dos musicais biográficos. Personagens reais transformados em tipos e histórias verdadeiras em reverência roubam o espaço possível para criar uma atmosfera que sonorize a época. A narrativa é banalizada pela sucessão de fatos, em que os conflitos são conversas de mesa de bar e a ação, mero prólogo para o canto. O diretor Luiz Antônio Pilar se mostra empenhado em seguir na segurança do déjà vu, deixando a impressão de que se assiste, mais uma vez, a um mesmo espetáculo, apenas com referências, nominal e de repertório, circunstancialmente modificadas. A cenografia de Doris Rollemberg se reduz a um painel geométrico de evocação carnavalesca, e o figurino de Helena Affonso combina vestidos rodados das cantoras do rádio dos anos 1950 com a imagem do malandro carioca de camisa listada e chapéu de palha. A direção musical de Alexandre Elias circula com facilidade entre os sambas, as marchinhas e os sambas-canções de Ataulfo, com alguma tendência a padronizar a sonoridade de cada estilo. Wladimir Pinheiro mostra maior elegância como cantor do que como  intérprete de Ataulfo Alves. Édio Nunes mimetiza com igual eficiência, de comediante e passista, a sua participação em outros musicais. Marcelo Capobiango exibe sua segurança vocal. Patrícia Costa, Shirlene Paixão, Dany Stenzel e Luciana Balby compõem o harmonioso coro feminino. Marcelo Gonçalves, Alexandre Vollú e Marco Bravo completam o elenco de mais essa novela de capítulos sem ganchos atraentes.         

domingo, 13 de setembro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (13/9/2015)

Crítica/ “Guerrilheiras ou para a terra não há desaparecidos”
Histórias envoltas em sangue e embrulhadas no tempo 

A narrativa cênica de Georgette Fadel para o texto de intervenção de Grace Pasô aponta para pontos confluentes de origens comuns. Teatro documental que destaca acontecimento no período da ditadura militar, identifica nas jovens que, na década de 1970, pegaram em armas para derrubar o regime, a indignidade de mortes a não se esquecer. A guerrilha que, de 1972 a 1975, aconteceu na região do rio Araguaia e que deixou entre 12 mulheres capturadas, apenas uma sobrevivente, recebe tratamento de registro sob a perspectiva do deslocamento no tempo. A atualidade se propõe na fixação da memória do episódio e na evidência do subtítulo: “para terra não há desaparecidos”. E o meio de sensibilização para ressoar nos dias atuais está, segundo a autora, na “possibilidade de revolução que existe em cada gesto, em tornar possível o gesto”. O documental se liga à mobilização, a encontrar no passado, formas de atuar no presente, no mesmo alinhamento de tempo e espaço ideológicos. Não se escapa dos depoimentos e da reprodução factual, mas Grace Pasô contrabalança, parcialmente, a inflexibilidade da realidade com a entonação suavizada do gesto quando alcança a essencialidade teatral. Na cena inicial, símbolos dos movimentos políticos da década de 70 são mostrados como souvernirs descartáveis, estabelecendo  contrastada ligação com os nossos dias banalizados. Ao adotar um discurso direto, sem a intermediação da poética cênica, a força expressiva se enfraquece, tanto como exposição, quanto diálogo. O que sustenta a montagem e a contundência de muito de seus quadros, é o impacto da instalação visual, que associa, em constante fricção dramática, a palavra e a imagem. Sacos de lixo e peças de  plástico, os mesmos utilizados para descartes variados, assumem a função de ensacar corpos, embrulhar histórias e simbolizar rios e túmulos. A crueza da violência, representada por uma estética associada à sua própria face, desvenda com maior perícia as razões insustentáveis para atos injustificáveis. A direção audiovisual de Eryk Rocha, que capta imagens quase abstratas da região dos conflitos, se apoia na cenografia de Aurora dos Campos e seus contundentes envelopes e telas-terrenos em plásticos flutuantes, que contêm corpos que falam do fundo das águas e das entranhas do solo. A iluminação de Tomás Ribas e a consultoria corporal de Daniella Visco complementam o enquadramento visual. O elenco – Carolina Virguez, Daniela Carmona, Fernanda Haucke, Gabriela Carneiro da Cunha, Mafalda Pequenino e Sara Antunes  -- amplia as vozes guerrilheiras com unidade interpretativa. As atrizes estão menos à vontade e com menor domínio de corpo e voz nos tipos masculinos.    

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (9/9/2015)

Crítica/ “O Pena carioca”
Martins Pena sob a ótica de novos tempos cômicos

Martins Pena é considerado o fundador da comédia de costumes nacional, e sua obra justifica o título por seu humor ingênuo, mas crítico, aos mal feitos da vida social brasileira do século XIX. O mesmo tempo que fixa as melhores qualidades dessa dramaturgia, é, igualmente, o período que a faz atraente como relíquia histórica. Montagens que procuram atualizar ou tentar comparações com os dias que correm, nem sempre se aproximam do que pretendem. Muito menos, aquelas que buscam subverter o que não se encaixa na desconstrução. Daniel Herz, em “O Pena carioca” encontrou o ponto de inflexão entre efeitos cênicos e comunicabilidade direta. Reunindo três comédias de Martins Pena – “ A família e a festa na roça”, “O Judas em Sábado de Aleluia” e “O caixeiro da taverna” -  essa pequena coletânea inclui ainda citações de outros textos nas passagens de uma narrativa a outra. Como cada uma delas vive de situações que revelam a matreirice dos roceiros, os ardis frustrados de quem se considera esperto, e a ambição sem controle, há que retirar da simplicidade dos diálogos, uma renovada conversa com a plateia. O diretor estabelece a ligação dos tempos cômicos com a formalização do espaço, construindo teatralização de contornos acentuadamente desenhados e levemente caricaturais. O bom resultado pode ser atribuído à concepção geral de Herz, que transforma os textos em esquetes, apoiados na bem sucedida direção de movimento de Duda Maia e na trilha original de Leandro Castilho. O visagismo de Diego Nardes complementa nas máscaras de comediantes a ambientação dos cabides com figurinos de Antônio Guedes, que se misturam com figuras vivas do cenário de Fernando Mello da Costa. A iluminação com focos laterais de Aurélio de Simoni, recorta com habilidade os quadros. O elenco desempenha numa linha predominantemente corporal, em que as vozes adotam sotaques e a atuação caricaturas, harmoniosa unidade interpretativa. As atrizes – Ana Paula Secco e Gabriela Rosas – tiram partido da feminilidade astuciosa e da ingenuidade de aparência para criar tipos sempre muito divertidos. Os atores – Anderson Mello, Leandro Castilho, Luiz André Alvim, Marcio Fonseca e Paulo Hamilton – revestem, sem falsos pudores e tímidas reservas, os papéis de donzelas suspirantes ou autoridades venais.