segunda-feira, 13 de julho de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (12/7/2015)

Crítica/ “Laio & Crísipo”
Sexualidade contemporânea com iluminação clássica 

A relação homoafetiva de Laio, pai não reconhecido por Édipo, com o jovem Crísipo, a quem rapta e leva a Tebas ao encontro de Jocasta, de quem está prometido, acaba por constituir um triângulo amoroso. O destino futuro, que leva  mortes à ascendência  e cegueira à descendência, é entrevisto no texto de Pedro Kosovski, que se apropria de dois personagens trágicos conhecidos por sua sina, e de outro, apenas como referência perdida em distâncias milenares. No transporte para o mundo contemporâneo, o autor traz o lastro da ação inescapável da origem grega, para a urgência atual dos atos físicos. Ambientado em tripla cabine de peep-show, semelhante às três portas do espaço cênico clássico, o desejo se manifesta em estado bruto, sem o domínio das sanções mitológicas  e ameaças de vaticínios perturbadores. O sexo é vivido como pulsão e disputa pelo poder dos corpos, celebração do momento que ignora o que estava por vir. É neste vácuo do desconhecido que “Laio & Crísipo”  distorce os tempos. Traz para hoje personagens que não sabiam o que os aconteceria depois. E reserva para o único de quem se sabe pouco, o papel de ser o condutor do presente. Essa engenharia narrativa, bem articulada por Pedro Kosovski, conciliou épocas e misturou impulsos, com bom resultado na projeção da ancestralidade na vida corrente de hoje. A direção de Marcos André Nunes estabelece a convergência temporal, aproveitando as sugestões do texto para ilustrar  a atração entre a palavra sedutora e as respostas do corpo. A montagem ressalta em lutas sensualizadas, que se revelam verdadeiros balés de fascínio mútuo, a vertigem da paixão sem o comando e a sabedoria dos deuses. O diretor apenas não resolve algumas correspondências grego-contemporâneas, como nas pequenas concessões ao humor, mais evidente na brincadeira com o drinque no abacaxi.  A cenografia de Aurora dos Campos transposta o inferninho de beira de estrada ao plano da arquitetura da cena trágica, e a direção de movimento de Marcia Rubin é decisiva no desenho geral. A música e as canções originais de Felipe Storino têm participação efetiva, e a iluminação de Renato Machado colabora no adensamento da atmosfera cênica. Carolina Ferman é uma Jocasta que ainda ignora seu destino e está exibindo seu corpo numa espelunca. A atriz se apoia na composição física para transmitir a realidade da vida atual da futura rainha da tragédia de “Édipo. Eron Cordeiro e Ravel Andrade, marcados  pelo desafio de explorar o os corpos como instrumento do embate amoroso, desempenham a contenda com força dramática e fúria poética.