domingo, 17 de maio de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (16/5/2015)

Crítica/ O Olho Azul da Falecida
Jogo de aparências em torno de um cadáver
Joe Orton, autor desta comédia macabra, com técnica de vaudeville e humor à inglesa, é um dos nomes surgidos na década de 1960 como um dos mais petulantes na dramaturgia britânica. Morto em 1967, teve uma produção pequena, mas coerente com suas características como autor. Demolidor de instituições sociais, comportamentos e tradições, utilizava formas consagradas de narrativa para destruir convenções e exercer comicidade ácida e, sutilmente, perversa. Mas seu universo foi provocante num período de mudanças políticas e quebras de códigos, no momento em que a Inglaterra assistia ao esfacelamento de seu império. Hoje, “O olho azul da falecida” é devolvida à sua medida de comédia bem estruturada, com diálogos com algum cinismo e ainda com potencial cênico, remanescente diluído do furor original. A trama reúne em torno do cadáver da mulher, o viúvo incapaz de perceber as tramoias que se passam à sua volta, entre o filho, que nunca mente, a agente que matou sete maridos, um ladrãozinho e um policial. O corpo da morta se torna um bem precioso, já que se mostra objeto de troca capaz de desvendar o caráter de cada um na corrida pelo ouro. Todos são corrompíveis. O único que não compactua se transforma em réu, culpado por sua inocência. A montagem de Sidnei Cruz se avizinha da atualização, discreta e cuidadosa, de acontecimentos que enviam sinais a referências locais. É um modo habilidoso de importar um humor tão característico, que, quase sempre, se perde na vontade de reproduzi-lo integralmente, mas que sofreu desgaste com o tempo. O diretor persegue a agilidade como efeito cômico, num tributo ao vaudeville, que está na base do texto. Mas essa escolha, que acelera a ação, por outro lado, diminui a eficácia dos diálogos, na sua eventual contundência crítica aos códigos vitorianos. O cenário de José Dias e o figurino de Samuel Abrantes procuram uma atmosfera inglesa mais reproduzida do que recriada. A iluminação de Rogério Wiltgen é ágil e a música de Wagner Campos, atuante. Johnny Ferro é inexpressivo na composição física de um “bobbie” (guarda inglês). Helder Agostini regula sua interpretação ao estereotipo do malandro carioca, e não a marginalidade de um garoto inglês. Rafael Canedo, em que pese o seu problema de emissão vocal, projeta a ambiguidade do jovem sempre verdadeiro. Gláucia Rodrigues não sustenta conduzir com centralidade a ação. Tuca Andrade, mesmo longe da figura de detetive da Scotland Yard, retira humor do personagem sonso. Mário Borges acentua a ingenuidade do único honesto neste jogo cínico das aparências.