quarta-feira, 13 de maio de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (13/5/2015)

Crítica/ Pahoma – Dança em Versos
Em busca do lugar onírico do teatro

O coreógrafo João Saldanha, em sua segunda direção teatral, se desprende da dança para estender seus passos à concretude da palavra. Modificam-se posições, mas mantém-se o espaço fragmentado das linguagens, representado pela voz emprestada ao corpo. Com o subtítulo de “Danças em versos”, “Pahoma”, um nome feminino, transita por formas expressivas que compartilham tempos narrativos para possibilitar o encontro e “localizar na        invenção o viver agora”. O texto e a encenação de Saldanha estão em permanente movimento, em que teatro e dança são meios dos quais se serve para ir na direção de “um lugar sem lugar dos nossos sonhos, as utopias”. É desse lugar nenhum do teatro, em que “inventamos diversas histórias e geografias” que o espectador preenche a cena, feita da voz onírica das dissonâncias e inutilidades e das distâncias e proximidades dos nossos dias. Da plateia, defronta-se com reverberações de uma vaga sensibilidade do momento, atualizada pela desordenada, urgente, solitária e descontruída incompreensão coletiva. Não há qualquer sentido filosofante ou pretensão a indicativos de autoajuda nesta súmula de comentários, delicados, bem humorados e provocantes, mas apenas sugestão a se deixar conduzir por observações contrastadas. A passagem rápida do tempo, uma das tantas citações à pressa de viver, é quebrada pela necessidade da ida ao dentista. O peso histórico do colonialismo é embalado por canção de Burt Bacarach. E até mesmo a frase  - “Tudo que a droga faz é matar você aos poucos” - que abre o espetáculo e a única que parece apontar para um efeito exemplar, serve de avaliação irônica à prisão de Billie Holiday. A montagem está envolta por cenário de João Saldanha, uma área branca, de profundidade e solo enevoados, que dispõe ao centro dispositivo-objeto, semelhante a um escorrega, pelo qual deslizam os altos e baixos da dança das palavras. Ainda que com aspecto um tanto pesado, esse tobogã cenográfico compõe o visual abstrato, poeticamente iluminado pelas depuradas mutações de cor de Russinho. A área branca que se confirma como enquadramento para projeção de sentidos, tantos quanto nos conduzem as palavras, cria com a trilha original de Sacha Amback paralelismo envolvente com o fluxo das “ideias no olhar”. A direção estabelece espaço de sonho que busca ser ouvido, e essa audição se torna mais audível à medida da força corporal do que é dito. Luciana Fróes e Nadia Nardini se fazem dupla de voz e corpo sem nenhuma intenção ilustrativa. São movimentos sutis, gestos interrompidos, mãos suaves, toques inconclusos e quedas deslizantes que reverberam vozes que cantam, expõem conflitos, medem temperaturas, e despem ridículos. As atrizes nos transportam para o lugar do teatro como possibilidade de convivência e dúvidas. Para o encontro dos desencontros.