quinta-feira, 2 de abril de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (1/4/2015)

Crítica/ Um Estranho no Ninho 
Realismo bem acabado em hospital psiquiátrico

Texto teatral do americano Dale Wasserman, baseado em história de Ken Kesey e popularizado pelo cinema, em 1975, no filme dirigido por Milos Forman e protagonizado por Jack Nicholson, “Um estranho no ninho” tem desdobramento dramático manipulado com destreza de roteirista que sabe como atingir o efeito e conduzir a tensão da plateia. Em hospital psiquiátrico, grupo de internos é submetido a regras terapêuticas restritivas, suprimindo qualquer liberdade expressiva e limitando o espaço cotidiano à disciplina da rotina. A chegada de McMurphy, que para evitar a cadeia se torna paciente, subverte o protocolo do tratamento, mantido imutável por enfermeira despótica. O entrechoque entre a ordem disciplinadora e a anárquica contestação está no centro da narrativa que, residualmente, trata de injustiças do sistema social e do cerceamento das liberdades individuais. Wasserman pretende com esse exemplar de realismo psicológico enquadrar-se como autor de “peça bem acabada”. O diretor Bruce Gomlevsky, mais do que encenar, parece ter assumido a atribuição de administrar carências e organizar funções diante das dificuldades. A exiguidade do palco é a primeira delas, já que é necessário acomodar 16 atores e o cenário de Patti Faedo numa área restrita para a intensa ação. Os atores não chegam a se atropelar, mas a movimentação constante compromete o adensamento dramático. A presença do veterano de guerra, que poderia contrapor a esquizofrenia paranoica do personagem ao papel funcional de narrador, é tão somente outro dos acalorados elementos que o diretor faz questão de ressaltar na superficial exuberância de gestos, tiques e vozes do elenco. Gomlevsky se restringe à exposição da trama e a exibir o que emerge como sequência narrativa em intervenção burocratizada. A composição do elenco, por demais eclética, não atende a um conjunto homogêneo e equilibrado, evidenciando a irregularidade das atuações. Tatsu Carvalho (McMurphy) se expande  em cena como se quisesse ocupá-la com protagonismo a todo custo. Helena Varvaki adota rigidez corporal e de voz como acessório exteriorizado para interpretação sem modulações. Os demais atores se perdem em excludentes atalhos individuais. “Um estranho no ninho”, com os problemas que afogam esta versão e que ameaçam sufocá-la em suas limitações, respira apenas na relação direta e emocional que estabelece com a plateia, capaz de se deixar envolver, irrestritamente, com o entrecho. A comunicabilidade, quem sabe, pode ser um valor a ser considerado na difícil recepção ao teatro nos dias atuais.