quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (18/2/2015)

Crítica/ Bonitinha, Mas Ordinária
Nelson Rodrigues em desenho animado

O Nelson Rodrigues de Bonitinha, Mas Ordinária, escrita no início da década de 1960, ainda que reproduza as mais sensíveis obsessões do autor – subterrâneos da família, perseguição à pureza absoluta, moralismo cínico – deixa à mostra o frasista inigualável e o cronista folhetinesco. De uma frase (“O mineiro só é solidário no câncer”) atribuída por Nelson ao jornalista Otto Lara Resende, se desdobram sentimentos obscuros e reações melodramáticas de um ex-contínuo, humilhado por sua condição subalterna e com a certeza de que “não há salvação para o homem”. As atitudes pusilânimes dos personagens, reveladas em episódios curtos e cortes elípticos, nivelam todos à igual canalhice de um deles, o que é pretexto para mais uma das frases de efeito, aquela que os nacionaliza: “No Brasil todo mundo é Peixoto”. Os diálogos secos, entrecortados e econômicos contrabalançam o derramamento expositivo da trama, carregada de situações que se apresentam como escaninhos para acomodar o ceticismo e a inocência perdida. A agilidade e nervosismo da ação, que os diálogos tão bem servem, impõem à narrativa um caráter plástico, em que o visual e a ambientação surgem como linguagem identificada com o essencial do texto. O diretor Alexandre Boccanera acentuou essa identidade com uma edição cinematográfica, em que as cenas se tornam closes, e as interpretações, movimentos. Com cuidadosa tesoura, eliminou personagens eventuais, recortou o aspecto sensual e picotou, ainda mais, o fracionamento original, distribuindo os atores entre as cadeiras da plateia, divididas com o público. Boccanera é responsável pela Cia. Teatro Portátil, que explora a relação do ator com imagens animadas, o que tenta, uma vez mais, utilizar nesta montagem. O que seria a continuidade de um trabalho de integração de meios, é o maior desajuste da atual encenação. As projeções, em especial dos desenhos em animação, são inexpressivas e nada acrescentam à cenografia integrada de palco-plateia, e, de certa maneira, condicionam o estilo de atuação do elenco, exigido como se fosse um conjunto de figuras. A iluminação de Aurélio de Simoni procura esquentar a atmosfera dos quadros, mas esbarra com a palidez do painel de fundo que serve de tela. Ana Moura, Laura de Castro e Morena Cattoni se enquadram como trio harmônico da performance corporal que domina a concepção do diretor de fazer dos intérpretes, imagens em exibição. Guilherme Miranda projeta linearmente os dilemas do ex-contínuo Edgar. Julia Schaeffer fica distante da ambiguidade da jovem currada. Elisa Pinheiro apenas arranha as dubiedades da Ritinha. Marcello Escorel, com presença e voz vigorosas, explora a sordidez do Dr. Werneck. Em papéis de menos destaque, Anderson Cunha, Cláudio Gardin e Marcio Freitas.