sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (23/1/2015)

Crítica/ O Homem Elefante
Uma imagem artificialmente dramatizada

A história do inglês John Merrick é verdadeira e foi ficcionada para o teatro pelo americano Bernard Pomerance, em 1977. A figura deformada por doença de Merrick é explorada por empresário de circo e exibida como aberração na Inglaterra do final do século 19. Um médico o resgata da humilhação e o transfere para hospital, onde adquire a possibilidade de expressão e alguma dignidade. Veículo da curiosidade, seja dos espectadores do espetáculo bizarro de horrores, ou do ambiente social ao qual é levado a conviver, não deixa dúvidas sobre a impossibilidade de um homem elefante viver na integralidade a sua condição humana. A narrativa de Pomerance evolui da revelação física para a exibição dos contraditórios sentimentos que assolam alguém condenado, por sua aparência, a ser imagem rejeitada e reflexo daquilo os belos não desejam ver em si. O aspecto grotesco e as reações de negação parecem ser o eixo em torno do qual o texto descreve a face dupla da cortante lâmina do espelho da hipocrisia da convivência. A direção da dupla Cibele Forjaz e Wagner Antônio se baseia na construção da imagem do que escapa do padrão e da norma. O mistério que  envolve o espectador até o desvendamento completo do patético é levado ao limite dos truques, somente um pouco além do exibicionismo físico. Os diretores valorizam parcialmente os contrastes entre uso, repulsa e falsa aceitação que revelam a dimensão cruel do jogo da sociedade, para fixar-se na exterioridade do efeito, na construção cenográfica da figura, e não do personagem. São bem construídas, ainda que um tanto alongadas, as cenas de montagem corporal de Merrick no hospital e da imersão no barro no final, mas que se nivelam como cenarização de menor ressonância dramática. O ambiente visual de Aurora dos Campos, que redefine o espaço do Oi Futuro, criando frontalidade entre o palco e a área de representação do hospital, recorre a cortinas que, fechadas e entreabertas, reforçam os traços de mistério. A iluminação de Wagner Antônio explora pouco a cenografia. O elenco incorpora essa coreografia que desenha contornos, mais do que define movimentos dramáticos, com a disciplina de gestos coordenados. Daniel Carvalho Faria é o explorador do circo, dublê de bufão e introdutor do público ao picadeiro que abriga a função. David de Carvalho esvazia, com interpretação tímida, a importância do médico, em especial na sua definidora cena final. Vandré Silveira  mantém-se em plano secundário. Regina França, nos vários papéis, se apoia no histrionismo. Vandré Silveira, num trabalho sustentado na vocalização de sons guturais e no balé de gestos arrebatados, restringe Merrick à exposição projetada unicamente pela aparência.