quinta-feira, 24 de julho de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (23/7/2014)

Crítica/ A Dama do Mar
Ibsen em desenho geométrico

Na versão condensada de Maurício Arruda Mendonça do drama em cinco atos do norueguês Henrik Ibsen, a narrativa simbólica da mulher que faz do mar condição essencial da sua existência é submetida a corte longitudinal na trama. Ellida, que tem no mar a extensão metafórica de si mesma, transfigura na água a sua alma atormentada em movimentos de ação e repulsão, e ao contrário de outras personagens femininas de Ibsen, como a protagonista de Hedda Gabler ou Nora de Casa de Bonecas, não age para romper os laços burgueses. O desejo de liberdade, tanto dela quanto das filhas do marido Wangel, segue as oscilações pendulares de sentimentos contraditórios, imobilistas, sombrios, que nos extremos da dúvida se anulam. O caráter simbolista do texto que costura o realismo sem justificativas psicológicas, deixa entrever formas ocultas das tensões emocionais, percorrendo linha de sensibilidades errantes. Como diz Wangel: “os sentimentos são sempre enigmas”. A adaptação desenha o enigmático em traços fortes, numa síntese dos choques que o desconhecido provoca nos personagens, reduzindo a dimensão poética e o mistério da angústia. O diretor Paulo de Moraes, também cenógrafo, ambienta a cena com a simplicidade geométrica de dois aquários retangulares e um filete de luz azul, que evocam a onipresença do mar. Esse despojamento visual, que não é quebrado nem mesmo pelo impacto de atores mergulhando no tanque maior, domina as interpretações do elenco e reflete a contenção do adaptador. O que parece, de início, uma cenografia para efeito único de utilização dramática como piscina, revela com a sutileza da iluminação de Maneco Quinderé e a envolvência sonora da trilha original de Ricco Viana coerência de concepção. O figurino de Carol Lobato evita a roupa de época, acentuando o ar contemporâneo com os pés descalços. Aos signos plásticos tão simples corresponde quadro cênico igualmente sem muitos adereços, que algumas vezes compromete a atmosfera opressiva dentro da qual se debatem os personagens. A montagem vive a contradição de menor densidade dramática quanto maior é a distância que estabelece no confronto das interioridades ao dissecar as cenas no limite da sua expressão essencial. O elenco fica restrito a esse espaço de pouco contraste, em que cada intérprete apresenta de maneira expositiva seu personagem em detrimento de mergulho mais profundo. Leonardo Hinckel transmite com excessivo vigor o idealismo do postulante a artista. Joelson Medeiros confere discreta projeção ao professor. Andressa Lameu não imprime autoridade ao contundente monólogo inicial. Renata Guida, como outra das filhas, alcança bons momentos, em especial na reiteração das palavras na cena final. João Vitti tenta encontrar a pulsão atrativa do estrangeiro. Zeca Cenovicz torna uniformes as ambiguidades do marido. Tânia Pires fica perdida entre a leve melancolia e a compulsão histérica com que procura sustentar a sua Ellida.