quinta-feira, 31 de julho de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (30/7/2014)

Crítica/ Trágica.3
Diálogo do trágico com a plasticidade

São três mitos da tragédia grega na pulsação de momentos limite em que a vida esgota o poder de agir para se transformar em gesto de morte. Antígona, Medeia e Electra, mulheres que sob ameaça da própria existência transgridem o arbítrio e assassinam os sentimentos com sangue, estão traduzidas cenicamente em instantes performáticos independentes que capturam a virulência das palavras na intensidade poética do desespero. O diretor Guilherme Leme reuniu as personagens de Sófocles e Eurípedes, transpostas por Heiner Müller (Medeia), Caio de Andrade (Antígona) e Francisco Carlos (Electra), em concentrados monólogos que utilizam recursos visuais, videoarte e música numa atualização em linguagens contrastadas do sentido do trágico. Trágica.3 é essencialmente uma construção formalista, em que a plasticidade determina os rumos das vozes femininas e os sons e a projeção condicionam o enquadramento contemporâneo. Há perdas, ainda que pequenas, com esta concepção, que restringe a dimensão política e humana dos textos aos condicionantes   estéticos, que adquirem imperiosa força expressiva em paralelo à interpretação das atrizes. A moldura retangular para a limpidez do espaço cenográfico de Aurora dos Campos contracena com a iluminação de rigoroso traçado onírico de Tomás Ribas, como se estabelecesse diálogo permanente do espectador com uma obra pictórica em exposição. Guilherme Leme integra as cenas sem qualquer traço de ligação, apropriando-se de cada uma delas em diferentes costuras estilísticas. Antígona é mais explicitamente performática, com o libelo contra a intolerância e a arbitrariedade embalado pela música eletrônica e a sonoridade de cânticos e lamentos gregos. A evocação da dor envolta em ruídos sussurrantes e musicalidade rascante é amenizada pela emoção de Letícia Sabatella. Electra se estrutura como um ritual de vingança, em forma de cerimônia que adquire aspecto oriental pela ascendência da atriz, o figurino de Glória Coelho e o visagismo de Leopoldo Pacheco. A iluminação e o cenário ganham seu melhor contorno neste quadro, no qual Miwa Yanagizawa com postura corporal rígida, máscara facial imutável e pausas medidas, percorre zonas periféricas do ódio da personagem aos assassinos do pai. Medeia é recriada por viés mais dramático, em sintonia com o temperamento de Denise Del Vecchio. De veste preta, com economia de movimentos, voz vigorosa e autoridade cênica, a atriz projeta a tessitura da vingança da mulher que atinge sua descendência. Fernando Alves Pinto e Marcello H, têm maior participação como músicos e são responsáveis, ao lado de Letícia Sabatella pela onipresente trilha original.     

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (23/7/2014)

Crítica/ A Dama do Mar
Ibsen em desenho geométrico

Na versão condensada de Maurício Arruda Mendonça do drama em cinco atos do norueguês Henrik Ibsen, a narrativa simbólica da mulher que faz do mar condição essencial da sua existência é submetida a corte longitudinal na trama. Ellida, que tem no mar a extensão metafórica de si mesma, transfigura na água a sua alma atormentada em movimentos de ação e repulsão, e ao contrário de outras personagens femininas de Ibsen, como a protagonista de Hedda Gabler ou Nora de Casa de Bonecas, não age para romper os laços burgueses. O desejo de liberdade, tanto dela quanto das filhas do marido Wangel, segue as oscilações pendulares de sentimentos contraditórios, imobilistas, sombrios, que nos extremos da dúvida se anulam. O caráter simbolista do texto que costura o realismo sem justificativas psicológicas, deixa entrever formas ocultas das tensões emocionais, percorrendo linha de sensibilidades errantes. Como diz Wangel: “os sentimentos são sempre enigmas”. A adaptação desenha o enigmático em traços fortes, numa síntese dos choques que o desconhecido provoca nos personagens, reduzindo a dimensão poética e o mistério da angústia. O diretor Paulo de Moraes, também cenógrafo, ambienta a cena com a simplicidade geométrica de dois aquários retangulares e um filete de luz azul, que evocam a onipresença do mar. Esse despojamento visual, que não é quebrado nem mesmo pelo impacto de atores mergulhando no tanque maior, domina as interpretações do elenco e reflete a contenção do adaptador. O que parece, de início, uma cenografia para efeito único de utilização dramática como piscina, revela com a sutileza da iluminação de Maneco Quinderé e a envolvência sonora da trilha original de Ricco Viana coerência de concepção. O figurino de Carol Lobato evita a roupa de época, acentuando o ar contemporâneo com os pés descalços. Aos signos plásticos tão simples corresponde quadro cênico igualmente sem muitos adereços, que algumas vezes compromete a atmosfera opressiva dentro da qual se debatem os personagens. A montagem vive a contradição de menor densidade dramática quanto maior é a distância que estabelece no confronto das interioridades ao dissecar as cenas no limite da sua expressão essencial. O elenco fica restrito a esse espaço de pouco contraste, em que cada intérprete apresenta de maneira expositiva seu personagem em detrimento de mergulho mais profundo. Leonardo Hinckel transmite com excessivo vigor o idealismo do postulante a artista. Joelson Medeiros confere discreta projeção ao professor. Andressa Lameu não imprime autoridade ao contundente monólogo inicial. Renata Guida, como outra das filhas, alcança bons momentos, em especial na reiteração das palavras na cena final. João Vitti tenta encontrar a pulsão atrativa do estrangeiro. Zeca Cenovicz torna uniformes as ambiguidades do marido. Tânia Pires fica perdida entre a leve melancolia e a compulsão histérica com que procura sustentar a sua Ellida.            

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (16/7/2014)

Crítica/ O Comediante
Colagem de gêneros em embalagem convencional

O texto do estreante Joseph Meyer é um acúmulo de desvios em torno de desgastada convenção. Ao centrar a trama em velho ator que está afastado há 20 anos, o autor escolhe o passadismo como veículo para as lembranças pouco lúcidas dos tempos de protagonismo e sucesso. Ao acrescentar anacrônica e fiel governanta, que ao lado de empresário improvável e sem função, contrata flexível jornalista para escrever a biografia do aposentado saudosista, repassa códigos das velhas comédias de costumes. E ao procurar as razões do afastamento, a ação sofre reviravolta para tentar reproduzir narrativas de mistério à moda tradicional. Essa colagem de influências demonstra que Meyer foi à fonte de cada uma delas para encaixar no híbrido narrativo que engendrou. Não há qualquer vestígio de originalidade autoral, ao contrário, reforçam-se desgastados meios expressivos para, suspostamente, atender as referências conhecidas da plateia e, deste modo, estabelecer trânsito fácil na comunicação. Com possibilidades tão restritas, “O comediante” somente se viabiliza cenicamente através de perspectiva crítica aos gêneros aos quais recorre como fonte e que são os elementos que sustentam a sua inexpressividade. Pela reiteração da linguagem, talvez seja possível superar as pesadas limitações do tratamento convencional e insuflar alguma vida a formas natimortas. O diretor Anderson Cunha não dá muitas pistas de que adotou essa linha, preferindo levar a montagem na mesma sintonia antiquada do texto. A comédia pretendida de início, termina tão logo os diálogos se esgotam no vazio do humor e na condescendência do diretor à facilidade. O mistério insinuado, é desfeito assim que fica evidente que não existe enredo que o justifique e que o espetáculo transforma em melodrama. A idade que tritura a vida profissional é vista, pelo autor e pelo diretor, como um encorpado dramalhão. Os sinais de envelhecimento se estendem ao cenário de José Dias, ao figurino de Marília Carneiro e ao elenco. Gustavo Arthiddoro não consegue corporificar o inexistente empresário. Carolina Loback é apenas a jornalista falastrona. Angela Rebello com postura caricatural compõe a delirante governante. Ary Fontoura não se esforça para tornar o ator decadente menos inconsistente.     

terça-feira, 15 de julho de 2014

Prêmios

Prêmio Cesgranrio

 Finalistas do 1º Semestre  
E Se Elas Fossem Para Moscou? indicada em quatro categorias

Diretor: Gustavo Gasparani (Samba Futebol Clube)
             André Curti e Arhur Ribeiro (Irmãos de Sangue)
             Christiane Jathay (E Elas Fossem Para Moscou?)

Ator: Gustavo Gasparani (Ricardo III)
         Marcelo Valle (Como É Cruel Viver Assim)
         Rafael Canedo (O Estranho Caso do Cachorro Morto)       

Atriz: Isabel Teixeira (E Se Elas Fossem Para Moscou?)
          Carolina Ferman (Desalinho)
          Amanda Vides Veras (Uma Vida Boa)
          
Cenografia: Nello Marese (O Grande Circo Místico)
                    André Curti e Arthur Ribeiro (Irmãos de Sangue)
                    Marcelo Lippiani (E Se Elas Fossem Para Moscou?)
                    
Iluminação: Luiz Paulo Nenen (O Grande Circo Místico)
                    Daniela Sanchez (Uma Vida Boa)
                    Bertrand Perez e Arthur Ribeiro (Irmãos de Sangue)

Figurino: Carol Lobato (O Grande Circo Místico)
               Antonio Medeiros e Tatiana Rodrigues (2X Matei)
               Marcelo Marques (Edypop

Autor: Gustavo Gasparani (Samba Futebol Clube)
           Maurício Arruda de Mendonça e Paulo de Moraes (O Dia Que Sam Morreu
            Marcia Zanelatto (Desalinho)

Direção Musical: Ernani Maletta (O Grande Circo Místico)
                            Nando Duarte (Samba Futebol Clube)
                            Felipe Storino (Edypop)
                            
Ator em Musical: Gabriel Stauffer (O Grande Circo Místico)                            

Atriz em Musical: Claudia Netto (Se Eu Fôsse Você)
                             
Especial: Elenco de Samba Futebol Clube
                Renato Vieira (coreografia de Samaba Futebol Clube)
                Alfredo Del Penho (pesquisa musical de Samba Futebol Clube)
                João Pimentel (pesquisa de texto de Samba Futebol Clube  
                
Espetáculo: E Se Elas Fossem Para Moscou?
                   Os Irmãos de Sangue
                  Samba Futebol Clube
                    

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (9/7/2014)

Crítica/ Entrevista com vândalo
Manifestações de junho de 2013 sem olhar cirúrgico

O primeiro texto teatral do antropólogo e ex-secretário nacional de Segurança Pública e autor dos livros “Elite da Tropa” e “Elite da Tropa 2”, Luiz Eduardo Soares, é uma aproximação política-existencial das manifestações de junho de 2013. Ao manter equidistância entre a reportagem fotográfica e o agit prop analítico, distendeu o arco dramático aos dois agentes da explosão urbana do ano passado: um black bloc e um policial. Reunidos por diretora para encenar espetáculo sobre os acontecimentos, o jovem ativista e o policial infiltrado se digladiam na construção de uma narrativa que acomode a fonte dos seus ódios. Não encontram uma linguagem comum, cenicamente, mas o que cada um traz das ruas são as desigualdades que os lançaram a elas. O ensaio de triângulo amoroso serve apenas como acessório a uma discussão, que tal como as polaridades dos choques de comportamento, é mantida em aberto, na mesma voltagem das incertezas. A ambição do autor em refletir sobre fatos tão recentes e de complexidade político-social sem maior domínio da técnica dramatúrgica, pode ter levado a que se pensava ser informação, resultasse em alusões a dados. A própria estrutura do texto mostra dificuldade em ordenar as opções estilísticas ao longo da ação. De início, experimenta-se algum estranhamento, para em seguida fixar-se no realismo e finalmente cair na comédia, deixando pouco espaço para a clareza expositiva e a condução dos diálogos. São enquadramentos estanques, que jogam em  diversas direções na caracterização dos personagens como protagonistas sociais e individuais. Ao mesmo tempo em que surgem como figuras em oposição, aparecem unidos pela consciência difusa de seus papéis, para se distanciarem ainda mais na pantomima da sua manipulação pelo poder. O diretor Marcos Vinícius Faustini reforçou esses três planos, como se cada um deles fosse uma cena independente e se fechasse em si mesma. Um certo impacto que o primeiro quadro provoca, é substituído por relativa tensão, logo desfeita pelo humor satírico. É na comicidade que Faustini alcança maior comunicabilidade com a plateia, demonstrando intimidade com linguagem popular de efeito direto. Márcio Vito como o policial tem interpretação expansiva, sem detalhamento,  que utiliza com eficiência como o governador. Ian Capillé está apagado para um manifestante e caricato como o coronel e seu indescritível bigode. Valquíria Oliveira tem participação secundária, tanto como a diretora, quanto como a secretária do governador.