quinta-feira, 29 de maio de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (28/5/2014)

CríticaSamba Futebol Clube
Vozes de torcedores bem ensaiados

Copa haverá, mas não se sabe exatamente de que modo se disputarão as insatisfações fora dos estádios, mas pelo menos já há a certeza de que o futebol no teatro encontrou o seu melhor campo de jogo. O roteiro de músicas e textos e direção de Gustavo Gasparani, que fazem tabelinha entre samba e futebol, se armam como uma equipe de apuro técnico, ginga afiada e humor malemolente. São quatro dezenas de músicas que tratam do tema, desde a década de 30, e fragmentos de crônicas e de livros de jornalistas como Nelson Rodrigues, Armando Nogueira, Paulo Mendes Campos, e poetas como Ferreira Gullar e Carlos Drummond de Andrade. Cada cena flagra um lance – grito da torcida, coreografia do gol, decadência do craque, a paixão desmedida, o palavreado das arquibancadas, a catimba dos políticos – numa sucessão bem humorada de comentários sobre o esporte da emoção. Não há propriamente novidade na seleção dos textos e na coletânea das músicas, mas oportuno diálogo entre uns e outras, orquestrados pela agilidade com que a montagem impulsiona a comunicabilidade entre eles. A originalidade está em apontar para cada observação, uma particularidade cênica identificada com imagens ou sonoridades futebolísticas. Na abertura, quando se conta dos primórdios do esporte por aqui, recorre-se à transmissão radiofônica bem conhecida, numa dinâmica e divertida reversão da monotonia dos dados históricos. A perda de fama e dinheiro do jogador tem no samba-canção derramado, interpretado por cantor vestido com paletó de lantejoulas, o ponto de inflexão da emotividade. O diretor Gustavo Gasparani imprime ritmo nervoso, sem quebras, que mantém a alta voltagem dos quadros, para os quais a capoeira é ilustrativa para as projeções e comentaristas são personagens reconhecíveis por sua linguagem característica. A direção de movimento e coreografias de Renato Vieira apoiam o intenso balé de gestos retirados das torcidas e dos campos. Os figurinos de Marcelo Olinto e a exata iluminação de Paulo Cesar Medeiros complementam a cenografia limpa e funcional de Marcelo Lipiani. Nando Duarte, responsável pela direção musical, tira partido do elenco de atores-músicos, capazes de soltar suas vozes com a vibração de torcedor bem ensaiado. Além dos movimentos, executados com a precisão de tempo de uma “ola”, os atores são os instrumentistas que acompanham as suas ótimas vozes, num time vibrante de atletas de palco. Alan Rocha, Cristiano Gualda, Daniel Carneiro, Gabriel Manita, Jonas Hammar, Luiz Nicolau, Rodrigo Lima e Pedro Lima ocupam a cena com vigor e domínio, que tornam possível estabelecer relação tão próxima com a plateia, sem necessidade de pedir a sua adesão. Samba e futebol, esses dois clichês da nacionalidade quando se combinam como inteligente material cênico ressurgem renovados como genuíno musical brasileiro.