quinta-feira, 22 de maio de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (21/5/2014)

Crítica/  Como é cruel viver assim
Como "se dar bem" no comércio de mediocridades baratas

Uma comédia, para ampliar o propósito de fazer rir, que está geneticamente pregado ao gênero, explora para além de situação deflagradora da trama as possibilidades de interpretar os bons e os maus costumes embutidos no comportamento dos personagens. Fernando Ceylão exercita, como um cronista de humor atilado, a observação do mundinho daqueles que, sem qualquer perspectiva, se lançam a mirabolante aventura para "se dar bem",  e perseguir a fantasia de viver como os ricos. Não por acaso, situa a ação em uma lavanderia, metáfora de que roupa e dinheiro sujos se limpam com o detergente de um cinismo generalizado, reunindo neste comércio de mediocridades baratas quatro desgarrados sociais que planejam sequestrar um milionário. Como é previsível desde que decidem a empreitada, nada corre como imaginavam, e o humor não está naquilo que deu errado, mas como cada um deles tem no erro o modo de vida. O mentor da ideia, se identifica com os miseráveis que esbarra pelas ruas, e sua espevitada mulher o apoia com seu romantismo carente, enquanto o primo trapalhão e a amiga inconveniente contribuem para o quadro de ambições indigentes. Em paralelo à exposição de frustrações suburbanas, o autor faz alguns comentários muito bem humorados sobre experiências banais, como quando fala da "hierarquia de carnes" em rodízio de churrascaria. O diretor Guilherme Piva tirou partido da duplicidade na tonalidade do humor de Ceylão (comédia de situação e de costumes), rebatendo a coloração única da corrida pelo riso de efeito imediato. O cenário de Aurora dos Campos, o figurino de Antonio Medeiros e Tatiana Medeiros, a iluminação de Maneco Quinderé e a direção de movimento de Marcia Rubin acentuam essa palheta colorida, que lembra a estética dos filmes de Pedro Almodóvar, e contribuem para que o diretor crie inspiradas gags visuais. A melhor delas, é a da amiga alisando os cabelos com o ferro de passar roupa. O elenco corresponde ao arco irônico-cruel-brincalhão do texto, com Marcelo Valle em composição de comicidade agridoce, Letícia Isnard em bem construído desenho físico e Álamo Facó à solta, explorando o lado caricatural do personagem. Inez Viana faz divertido comentário corporal para a amiga maldosa, lembrando a tradição dos cômicos populares.