segunda-feira, 7 de outubro de 2013

34ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ Incêndios
Percurso ao encontro da verdade na revelação da origem
A tragédia contemporânea de Wadji Mouawad ecoa a estrutura da tragédia grega no estabelecimento do percurso de descobertas do nascedouro às razões de ser. A mulher que se cala para anunciar aos filhos como deseja concluir o ritual de sua morte, e legar-lhes o testamento de sua existência através da incumbência de os fazer peregrinos para alcançar a consciência de quem são, é alguém que se evade do pó da guerra para molhar o pó da tumba. Como buscavam os gregos, essa vagamente Antígona, um tanto Medéia, quase Jocasta deixa como herança à descendência o desafio de encontrar a verdade na revelação da origem. O pano de fundo de guerras, de interditos sociais, insensatez política e miséria moral ambienta as ressonâncias no indivíduo de um mundo que se esfacela em suas próprias contradições e diante do qual resta-lhe o silêncio eloquente que antecipa a morte de si, e a compreensão daqueles a quem deu a vida. Em poética rascante e tragicidade impiedosa, Mouawad evoca cenário de seu Líbano natal apenas como universo propulsor de narrativa que percorre o vácuo do desconhecido para preenchê-lo com o conhecimento de quem se é. A dramaticidade em Incêndios, em cartaz no Teatro Poeira, está nos subterrâneos da ação, em que cada movimento-cena faz parte do percurso a quem foi dada a possibilidade de percorrê-lo para confirmar o destino já traçado. O diretor Aderbal Freire-Filho circulou por esses subterrâneos, estabelecendo com lentos avanços o ritmo através do qual se caminha pelo encaixes de um mosaico dilacerante. Não há firulas e efeitos numa cena limpa, sem adereços ou detalhes desviantes. A rota é estabelecida pela secura e aridez das trilhas que desembocam em um desfecho, igualmente seco e árido, como exige revelações definitivas. Ao mesmo tempo, Aderbal cria um substrato poético em belas imagens, como a da união dos corpos gêmeos, e a camuflagem aderente a rosto dramático. A cenografia de  Fernando Mello da Costa contrapõe a despojada sugestão de espaço livre do palco com colunas de aramado de sanguíneas e aprisionadas lembranças. Marieta Severo desdramatiza Navval como se buscasse distanciá-la da emoção para narrar com lucidez demonstrativa os seus sentimentos. A atriz se ajusta, plenamente, a esta linha de atuação. Kelzy Ecard desvia-se em sentido oposto, procurando no dramático fortalecer a carga interpretativa. Isaac Bernat em vários papéis procura individualizá-los corporal e vocalmente com traços reiterativos. Keli Freitas se destaca, não só pela forma como projeta a perplexidade curiosa da gêmea, como pela significativa presença em todas as cenas. Felipe de Carolis, o outro gêmeo, Fabianna de Mello e Souza, Julio Machado e Marcio Vito têm participações uniformemente caracterizadas. 

                                                   macksenr@gmail.com