quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

8ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ Hamlet
Tragédia em comunicativa tradução brasileira
O brasileiro Ronaldo Daniel, diretor de Hamlet, em cartaz no Espaço Tom Jobim, vive há mais de quatro décadas entre Inglaterra e Estados Unidos, e especializou-se em encenações de Shakespeare. Esta aproximação com a obra do autor fez com que, não só adotasse Ron Daniels como assinatura de suas montagens no exterior, como o fizesse percorrer várias peças shakespearianas, inclusive Hamlet, mais de uma vez. Nesta versão há visível tendência a imprimir perspectiva brasileira à construção do espetáculo. A começar pela tradução conjunta do diretor e de Marcos Daud que determina um sotaque nacional pela sua escorreita fluência, sem comprometer a integridade original. Há algo de casual e naturalista na apropriação da poética do texto, envolvendo a dramática das palavras em sonoridade reconhecível. Esse ponto de partida de prosa fácil se estende a todos os elementos da montagem, que se baseia em sólida avaliação dos meandros da tragédia para poder fazê-la comunicativa e simples, como Daniels a encena. Despojado, com cenografia composta apenas de telões, com figurinos de contornos bem marcados (ternos e uniformes militares) e iluminação sem invencionices, o espetáculo evita qualquer fuga à convenção e ao tradicional, procurando deixar as cenas límpidas e constante o ritmo expositivo. Desta forma, o diretor despoja a tragédia de implicações interpretativas para valorizar a própria narrativa, permitindo-se criar um fluxo permanente em que não se exclui nada do texto, somente enfatiza-se a palavra como ação. Uma certa impostação clássica e técnica, quase sempre exigida de peças de Shakespeare, é colocada de lado em favor deste percurso narrativo, ao qual o elenco se integra de modo integral. Os atores têm interpretações desarmadas, sem impostações carregadas e preciosismos de atuação, e todos com ótima projeção vocal, que confirma o trabalho de preparação de Babaya. Marcos Suchara, Rafael Losso, André Hendges, Marcelo Lapuente, Rogério Romera, Fernando Azambuja, Chico Carvalho,Ricardo Nash e Everson Romito formam um ensemble funcional, que atende à concepção e linha proposta pela direção. Eduardo Semerjian é um rei Cláudio sem forçar a vilania. Roney Facchini, seja como Polônio ou com o primeiro coveiro, tira partido do modo popular como se apropria dos personagens. Selma Egrei empresta, fisicamente, sensualidade madura à rainha Gertrudes. Ana Guilhermina se sai bem melhor nas cenas de loucura de Ofélia. Antonio Petrin, tanto como o fantasma do rei quanto como o primeiro ator, tem boa presença. Thiago Lacerda é um Hamlet mais enérgico do que sanguíneo, menos solene do que arrebatado, enquadrando-se com perfeição à comunicabilidade que rege o desenho desta bem sucedida versão da tragédia de Shakespeare.             

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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

7ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ Edukators
Jovens presos à velha e desatualizada discussão
O filme alemão, da qual versão teatral está em cartaz no Oi Futuro do Flamengo, propõe revisão sobre o ativismo político da juventude nos anos 2000. A rebeldia das gerações às portas da idade adulta é um clássico que se atualiza na medida em que as condições sócio-políticas modificam o contexto para o confronto com o estabelecido. Em Edukators, o cenário é de uma Alemanha com os cofres abastecidos por economia pulsante, que rebate em jovens que contestam os meios pelos quais os mais ricos conseguiram a riqueza. Sem recorrer à violência, promovem invasões às casas, desarrumam cômodos, jogam móveis em piscinas, lançam mensagens e palavras de ordem contra os ricaços, mas sem roubar coisa alguma. Os três jovens que invadem a mansão de empresário são surpreendidos pela chegada do proprietário, e sem alternativas e frágeis em sua fundamentação ideológica, resta-lhes transformar o homem em refém. A partir de então, é estabelecida a contradição entre o trio, que sem saber o que fazer com o prisioneiro, se desestabiliza, iniciando debate sobre a sua prática educativa com o empresário. Esse quadro, que no filme e na sociedade de origem pode atingir maior abrangência, na adaptação teatral desaparece, já que a ambientação se torna secundária e esquecida, reduzindo-se à trama. Por mais que Rafael Gomes, que assina a adaptação e a dramaturgia, siga a estrutura do filme, não consegue aclimatar a narrativa a palpável proposição dramática. Gomes tem dificuldades em dar vitalidade à argumentação rala dos jovens. O diretor João Fonseca explode a montagem, no início, para a área do bar do teatro. Ao transferi-la para a sala de espetáculo, o público mantém-se estimulado pelo cenário de Nello Marrese, que envolve o palco com atmosfera vagamente realista, sustentando um estranhamento visual que parece, neste primeiro momento, ser a marca do espetáculo. Mas o desenvolvimento da ação, apenas reitera velha e requentada discussão, pretensamente ideológica e fragilmente política, e que, ainda assim, pouco ou nada se traduz em cena, a não ser pela indiferença crítica como é tratada pela direção. Os jovens do elenco – Fabrício Belsoff, Natália Lage e Pablo Sanábio – fazem miméticos papéis de jovens. Edmilson Barros fica à distância de qualquer imagem que se tenha de um empresário endinheirado alemão.

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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

6ª Semana da Temporada 2013


Duas Vezes Beckett

Crítica/ Primeiro Amor
Refugos da existência à luz de significados impalpáveis
A origem de Primeiro Amor, em cartaz no Teatro Poeirinha, às terças e quartas, que ao lado de Moi Lui  (de quinta a domingo) compõe o Projeto Beckett da atriz Ana Kfouri, é uma narrativa curta, literária, mas que traz as mesmas obsessões da dramaturgia do autor irlandês. Homem, diante da morte do pai e da desolação dos sentimentos, vive solitário o encontro com uma mulher e o nascimento de um filho, descrevendo-se ao longo desse percurso vital. As palavras de sonoridades interiores e silenciosas repercussões emocionais desdobram-se em significados impalpáveis, refugos de existência, incapazes de capturar a consciência de si mesmo. A palavra é o veículo através do qual esse homem procura narrar-se, a voz que tenta dizer o que só se explica pelo silêncio. Esse mergulho em sombrios e misteriosos meandros intenta compreender-se pela palavra, aquela que na montagem de Antônio Guedes é  multiplicada no conjunto de letras em movimento projetado em video de Helena Trindade. O visual é um dos pontos de destaque, tanto na cenografia do espaço terroso e árido, quanto na luz difusa. Nessa ambientação de deserto e desamparo avassaladores, o diretor ressalta a voz que emerge do ermo, centrando em leve composição masculina a atuação de Ana Kfouri. Rígida, com gestos contidos e ação oral, Ana mecaniza o que diz para retirar-lhe qualquer resquício dramático. A narração becktiana é contínua, linear, sem querer projetar emoções, senão as ocultas. É, exatamente este o percurso, através do qual, a atriz conduz sua interpretação.               
  
Crítica/ Moi Lui
O imponderável espaço interior que não se vê
Moi Lui, baseado no romance Molly, de Beckett, é um desafio na transposição para o palco. A complexidade está na sua própria construção, já que dois monólogos interiores dialogam no livro, apontando caminhadas em direção a dúvidas de quem se é, e naquilo que se envolve. Voltar ao princípio para constatar a decrepitude e a morte do fim, pedalar por rotas vagabundas em que os gestos reproduzem atitudes desprovidas de sentido, são condenações de personagens que não sabem bem quem são, o que fazem e porque o fazem. O que contam se nega pela dúvida. O que falam não alcança a verdade ou inventa a mentira. Fala-se de um imponderável viver, de alcançar um vago “espaço interior, que não se vê nunca”, uma área cavernosa, a mesma do cérebro e do coração onde sentimento e pensamento se escondem. Gostaria de falar das coisas que me restam, me despedir, terminar de morrer.É essa pulsão que a adaptadora e diretora Isabel Cavalcanti reproduz com força dramatúrgica capaz de tornar secundária a origem literária. A contundência poética e o estilo do “narrador-narrado” traduz-se com a mesma economia expressiva que o material literário propõe. A direção de arte de Rui Cortez com os elementos que apontam, sem sublinhar, tem impacto, como na escada que “leva a lugar nenhum” e nos sutis pontos de luz. A iluminação, assinada por Tomás Ribas, é um ponto referencial da encenação. O sombrio que aclimata contrasta com luminosidade que explode em momento especialmente denso. Uma brilhante concepção de luz. A diretora imprimiu à atriz trilha que desmonta o dramático, desprovida de intensidades e que confere autoridade à palavra. Desenho perfeito para apropriação da interioridade da voz do autor, que Ana Kfouri segue com a justeza automatizada das significações recônditas.

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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

5ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ A Tecelã
Ilusionismo como fio narrativo
A origem é um mito no qual a vida está representada pela capacidade humana de tecer novas realidades, encontrar por trilhas oníricas a possibilidade do amor e imaginar ser possível escapar da solidão. A tecelã vai desfiando o novelo da existência à procura de encontrar alguém, num artesanato sonhado até a concretização do desejo. Ao deparar com o esfacelamento do sonho, volta a tecer descobertas, mecanizadas por movimentos desesperançados, perdidos na solidão, transformados na própria figura, agora inanimada, tal como sua vida ficou reduzida. Esta fábula de ancestrais referências, que pode ser vista no Teatro III do CCBB, é traduzida pelo grupo gaúcho Caixa de Elefante, utilizando técnicas de animação e ilusionismo, integrando atores e bonecos para criar cena encantatória. Linha de trabalho que desenvolve há décadas, a companhia apresenta essa narrativa sem palavras e de ressonâncias poéticas de maneira delicada e sutil em 50 minutos. A forma como se transmite essa envolvência poetizada remete ainda a técnicas de sombras e magia, manipuladas com base no teatro de bonecos e projeções variadas, compondo quadro de fabulação de imagens. E são as imagens propostas que ressaltam, perseguindo a ilusão, não só do que a narrativa propõe, mas também do que se retira dela como efeito. Em alguns momentos, os efeitos encobrem a intensidade narrativa, o que se reflete em certo comprometimento no interesse do espectador. Um detalhe apenas na boa concepção de Paulo Balardim, responsável pela direção, dramaturgia e cenografia, na interveniente música de Nico Nicolaiewsky e na qualidade dos movimentos do elenco, com destaque para Carolina Garcia.   


Crítica/ Oscar e a Sra. Rosa
Sentimentalismo como veículo de lágrimas
Éric-Emmanuel Schmitt, autor de Oscar e a Sra. Rosa, em cartaz no Porão da Casa de Cultura Laura Alvim, além de dramaturgo é também romancista e cineasta, e já teve encenadas no Brasil, Variações Enigmáticas, em 1996, com Paulo Autran e Pequenos Crimes Conjugais, em 2007. Escreve peças corretamente construídas, revestidas de capa sentimental, disfarçada em diálogos de escorreita verbosidade. Oscar e a Sra.Rosa, não exatamente um texto para teatro, é baseado em livro que escreveu para coleção Trilogia do Invisível. O volume de Schmitt trata do Cristianismo. Os fundamentos da religião são ficcionados através de menino de dez anos, nos seus últimos dias de vida no hospital em que é tratado de doença incurável. Por meio de cartas que dirige a Deus, narra seu cotidiano terminal. Talvez pela forma de origem e pela destinação pretendida pelo livro, o texto poderá ter cumprido sua função, que no teatro, fora do contexto editorial, fica bastante revelador de suas limitações. No palco evidenciam-se os mecanismos emocionais e os truques sentimentais para atingir a plateia com apelos a recursos melodramáticos. Não se economiza  dose carregada de emoção pré-moldada para estabelecer menos didatismo religioso e mais derramamento dramático. O diretor, tradutor e adaptador Tadeu Aguiar seguiu com discrição o espírito do texto, reforçando ênfases somente na trilha musical. Nos demais elementos da montagem procura a simplicidade, como no cenário, na tradução fluente e na adaptação restrita às exigências do monólogo. Pelo despojamento, o encenador leva porção da plateia às lágrimas, conciliando as intenções do autor com o sentimentalismo da trama. Miriam Mehler demonstra coragem em enfrentar o público em variantes registros – oscila de menino a idades e gêneros adultos – e a poucos centímetros do espectador. O minúsculo Porão obriga a atriz a desnudar a sua interpretação sem o filtro da distância. É um bravo e intenso esforço, que Miriam Mehler vence ao ficar tão próximo de quem a assiste e arrancar-lhe lágrimas.

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