segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

2ª Semana da Temporada 2013


Quatro Tons de Comédia

CríticaA Arte da Comédia
Atores à procura  de uma autoridade
Inteligente. Na melhor tradição da dramaturgia do italiano, o texto de Eduardo De Filippo, em cartaz no Teatro Maison de France, captura uma pequena humanidade de província para falar da representação. Numa referência direta e bem humorada a Pirandello, De Filippo reverte a proposição do autor compatriota levando “ atores à procura de uma autoridade”. No cenário da prefeitura cria a dúvida sobre papéis confundidos, provocada por diretor de trupe teatral que se vê diante da perda, por incêndio, do barracão em que se apresentava. Os mecanismos próprios da cena e sua projeção fora do palco  são descarnados por atores involuntários de realidade teatralizada pelo jogo social. Sob a inclemência do frio e de insidiosa administração política, artista e prefeito expõem contradições sobre ao papel da arte e do estado, numa relação inconciliável que resulta em comédia de erros. Identidades suspostamente trocadas, como certa vez Shakespeare apontou, e dubiedade de compreensão, como Gogol criou para desmontar hipocrisias, se repetem em De Filippo para embaçar de incerteza o que poderia ser a verdade do teatro. Incerteza instalada, o humor se sucede a cada aparição de novo personagem até que se restabeleça a crueza do real após a bufonaria da representação. Texto inteligente e sedutor recebeu do diretor Sérgio Módena encenação que extrai das suas sugestões teatrais  a estrutura expressiva da montagem. A representação, como móvel e justificativa da trama, se torna a escolha estilística de Módena, que se apropria do entrevero, da dissimulação e do engano como prolongamento do modo de construir a cena. Os atores, tais como os personagens, são os veículos daquilo que não se sabe se está, realmente, acontecendo. Ou são cúmplices de mera exposição de uma grande mentira. Módena enfatiza a revelação/ocultação do teatro armado por De Filippo com elenco que percorre esse exíguo espaço de verificação para traduzi-lo como meio de tocar as manifestações intrigantes do artista. A cenografia de Aurora dos Campos resolve as exigências das cenas, bem aparada pela iluminação de Tomás Ribas. Mas são os atores que se destacam pela unidade interpretativa e pelo humor que emprestam às suas atuações. Ricardo Blat desenvolve trabalho detalhista, repleto de nuances e tiradas sutis, algumas delas de fina ironia, que reforça a acuidade com que o dono da companhia teatral discorre sobre as agruras e prazeres da atividade. Thelmo Fernandes, coerente com seu registro, valoriza voz, gestos e máscara harmonicamente sintonizados na perplexidade do prefeito. André Dias compõe de maneira vaudevilesca o assessor do prefeito, dando maior projeção ao personagem. Alcemar Vieira tem atuação impecável pelo ritmo que imprime ao caudal de palavras que sustentam o bizarro pedido do médico do vilarejo. Celso André, de modo um tanto gauche, mergulha no delirante relato do padre. Erika Riba, ainda que cumpra com justeza o papel da professora, fica um tanto prejudicada pela dificuldade de interpretar a personagem, potencialmente, menos realizável. O que acaba por se estender aos demais atores – Alexandre Pinheiro, Ricardo Souzedo, Teresa Tostes, Poena Vianna, Saulo Segreto e Sérgio Somene -, restritos a participações circunstanciais.

Crítica/ A Garota do Adeus
Rotina pré-estabelecida até ao final feliz
Hábil. O autor americano Neil Simon é pródigo em comédias românticas, com investidas na nostalgia e na recriação de atmosfera teatral novaiorquina. Em A Garota do Adeus, cuja adaptação está em cartaz no Teatro do Fashion Mall, o estilo habilidoso de Simon se mantém intacto na sua integridade autoral e nos ganchos narrativos bem colocados na hora certa para o  que se convencionou ser funcional neste tipo de comédia. Bailarina desempregada e a filha são abandonadas pelo namorado-ator da garota, que se vê diante da contingência de ter que dividir o apartamento em que mora com um rapaz, também ator, com o qual antipatiza, mas que ao final se transformará em seu grande amor. Em meio a essa trama de princípio e final pré-estabelecidos, há um meio em que o teatro é objeto de brincadeiras sobre espetáculos vanguardistas e diálogos nervosos, semelhantes aos que o autor desenvolvia quando escrevia para seriados de televisão. Produto cuidadosamente empacotado e com única função de entreter, se  for desamarrado a partir de  seus fios condutores, pode fazer surgir um divertimento digerível. Mas não se compreende o porquê de ter sido transposto (mal) para o Brasil. Há algo intrinsecamente americano em tudo que se passa com os personagens, e ao retirar-lhes o ar local faz com que fiquem um tanto asmáticos. Como a adaptação, também a direção de Elias Andreato se ressente da falta de aclimatação. Rotineira, sem o clima original e interpretações apagadas, a montagem é pouco mais do que burocratizada repetição de alguns truques perdidos nos escombros do passado. A encenação deixa tudo descolorido, os conflitos parecem vagas citações e as críticas ao experimentalismo reforçam a certeza de que o tipo de teatro que se quer preservar fica integralmente despido. Edson Fieschi  se empenha tanto para alcançar o humor com o qual pretende desvendar as peripécias do recém chegado inquilino, que submerge no esforço físico. Maria Clara Gueiros caminha em sentido inverso. Tem atuação branca, equidistante, ressentindo-se de presença mais viva, como se a atriz tratasse a personagem com estranha apatia. Sérgio Maciel e Clara Garcia são incapazes de demonstrar centelhas nas suas interpretações. A menina Luiza González, com sua naturalidade, é que dá alguma vida ao espetáculo.     

Crítica/ Oportunidade Rara
Pretensões demais, realização de menos
Perdida. Hamilton Vaz Pereira, diretor de Oportunidade Rara, em cartaz no Teatro dos Quatro, tem seu nome, definitivamente, inscrito na história do teatro carioca das últimas quatro décadas. A dramaturgia cênica que criou no grupo Asdrubal Trouxe o Trombone oxigenou o teatro do Rio, engessado pela ação da censura e preso a cânones que não mais correspondiam aos confinamentos estéticos de então. Foi uma explosão de irreverência e abertura para trilha teatral arejada por vozes rejuvenecedoras. Tanto tempo depois, e em constante atividade, Vaz Pereira permance fiel ao que lançou nos bons velhos tempos do Asdrubal, coerente com cena que incorpora música à miscelânia narrativa de citações filosóficas, vivências  vagamente identificáveis e desfoques formais. Nesta nova investida, o autor e diretor consolida seu estilo, aprisionado em cinco esquetes que se pretendem comédias, mas que se estiolam em improváveis quadros, confundindo absurdo com estranheza numa linguagem cifrada e personalista, que parece adquirir sentido somente para quem a escreveu. Sobrecarregados de dispensáveis detalhes, os esquetes são diluidores de suas aparentes intenções e tão impensáveis quanto  as letras das canções. As histórias curtas, vazias e inconclusas, se interligam, quase aleatoriamente, pelo título geral. Sem rumo para o que deseja comunicar (as pretensões estão embutidas e irrealizadas), Hamilton se atrapalha também na direção. Em que pese a capacidade dos profissionais, os desajustes se distribuem por toda a encenação. A cenografia é inexpressiva, problema ampliado pela dificuldade de realizar as mudanças das cenas, comprometendo em larga escala o já claudicante ritmo da montagem. A música se transforma em adereço dispensável para exibição de canções de letras intrigantes. O elenco – Lena Brito, Bel Kutner e Saulo Rodrigues – parecem estar submetidos a constrangedores papéis de comédia absurda.

Crítica/ Atreva-se
Perseguição sem estilo ao riso pelo riso
Vazia. Brincar com gêneros, filmes noir e histórias de mistério, é o que Atreva-se, em cartaz no Teatro do Leblon, almeja. Oca, sem nenhuma ressonância daquilo que a inspirou, a peça de Mauricio Guilherme se limita à busca irrestrita da risada. O revestimento decorativo do cinema que imagina reproduzir, e os berloques narrativos para nos fazer acreditar que se pretendeu algum mistério, ainda que cômico, são desvios para piadinhas sobre governantas soturnas, figuras grotescas por seus defeitos físicos e paródias aos clichês sonoros e tramas de suspense. Essa ambientação acaba por ser pretexto para conduzir o publico ao riso sem sofisticação e referências, próximo ao perseguido pelos humorísticos de televisão e stand up do momento. Jô Soares orquestra esse envólucro do riso pelo riso, vendido como decorrente de outras fontes, com banal aplicação. Não estabelece o clima noir e não alcança o humor do Ridiculous Theatrical Company de Nova Iorque, criadora e especializada neste tipo de espetáculo. O diretor não explora a paródia, fica na superfície de efeitos desgastados, explorando somente o que pode facilitar a gargalhada. Nesse sentido, tira partido da base popularesca dos atores, distanciando-se mais do clima de mistério. Marcos Veras expande, até ao limite do histrionismo televisivo, trejeitos e caretas. Júlia Rabello demonstra mais refinamento na tessitura cômica, enquanto Mariana Santos é uma humorista popular e Carol Martin demonstra inexperiência.     

                                                  macksenr@gmail.com