sexta-feira, 23 de novembro de 2012

41ª Semana da Temporada 2012


Faces do Trágico

Crítica/ Oréstia
Atos para iluminar desígnios insondáveis
A Oresteia, como a chamou Ésquilo, é formada por trilogia em que cada uma das partes conta sobre a poética cruel da existência e dos elementos formadores do destino humano, marcado por violências várias e determinismos insondáveis. O fatalismo com que forças conduzem os atos e que escapam aos domínios faz com que a vida seja governada por desígnios que restringem a plenitude da natureza humana. A sequência de assassinatos da ascendência e descendência, os elos rompidos por inevitáveis emanações daquilo que nos ultrapassa, é o que eterniza a nossa  precariedade. Deuses, alma, inconsciente, o trágico em Ésquilo se constrói e se perpetua na ritualização do diálogo entre essas impermanências, no que há de silêncio do que resta da percepção do imperfeito. São questões que estão subjacentes à ação trágica, que o autor grego projeta em espiral narrativa e que a encenação contemporânea procura traduzir de modo a dimensionar esses aspectos, sem fragilizar a exterioridade da trama. A montagem de Malu Galli, em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, procurou compatibilizar a amplitude do que a tragédia contém como fundamento, com o alcance com que a linguagem cênica pode transmiti-la para a atualidade.  A diretora não restringe, tanto na adaptação, quanto na busca da plateia, a força expressiva de texto, imprimi-lhe traços de uma linguagem teatral ajustada à recepção do público de hoje. Galli recorre a tradução fluente de Alexandre Costa e Patrick Pessoa e musicaliza o coro, revivendo milenares citações, através de trilha original assinada por Romulo Fróes e Cacá Machado. Utiliza microfones e expande a ação com frontalidade para além do palco, solicitando ao espectador ser cúmplice. Na intenção de envolver o trágico no contemporâneo, de criar espaços referenciais comuns e de incorporar soluções cênicas de circulantes versões experimentais, a diretora construiu montagem de extrema correção e de empenhada codificação. Impôs uma visão à Oréstia e foi coerente a ela, capaz de aproximá-la aos nossos dias, sem qualquer distorcido ajustamento. O elenco – Daniela Forte, Gisele Fróes, Julio Machado, Luciano Chirolli, Malu Galli e Otto Jr. – é demonstrativo da bem integrada concepção do espetáculo. Assim como a direção, os intérpretes se sintonizam com a tragicidade do teatro do nosso tempo.

  
Crítica/ Édipo Rei
Ao encontro da consciência em giros do destino
Nada mais provocador do que constatar, a cada encenação desta tragédia de Sófocles, que agora ganha mais uma versão em cartaz no Espaço Sesc, do que a sua inesgotável permanência. O que lhe é destinado de origem até o que lhe cabe de condenação, transforma Édipo em porta-voz da sua própria consciência, num percurso de descobrir quem é, sem ter sabido durante toda existência quem foi. Esse inexorável destino, anunciado pelos deuses e frustrado na intenção humana de modificá-lo, se cumpre na sua integralidade, devolvendo a Édipo a certeza de si mesmo, revelando a sua inteireza vital, definitivamente trágica. Encenar Édipo é se debruçar sobre as incontáveis possibilidades que a essencialidade desse texto propõe ao longo do giro da roda dos ventos teatrais. Há pouco mais de 30 anos, o diretor Flavio Rangel, ao dirigir Édipo, mencionava as inúmeras formas de abordá-la, e que para tantas visões, psicanalíticas, filosóficas ou históricas, há muitas outras, inexploradas. E por que não, emprestar-lhe um cunho de história de mistério? Especulações à parte, a montagem de Eduardo Wotzik procurou a fidelidade baseada em pesquisa e estudo sobre a tragédia e a época, o que se reflete na arena de Copacabana de modo límpido. Wotzik investiu na forma expositiva, privilegiando a evolução narrativa, sem maior interferência de análises. O diretor pretendeu contar a história, torná-la escorreita para atingir diretamente a platéia. A pretensão foi alcançada, com o detalhamento da trama e estendida a todos os aspectos da encenação. O figurino de Marcelo Olinto investe na reprodução das roupas e adereços inspiradas em registro histórico, enquanto que a cenografia de Bia Junqueira reveste a arena de pórticos e cerâmica partida em evocação milenar. O visagismo de Uirandê Holanda complementa a ambientação terrosa. As opções da direção caminham em sentido paralelo ao trágico, acentuando a linha mais dramática como forma de apoiar maior comunicabilidade e fluência cênica. Esse dramatismo é mais evidente em algumas atuações, como a de Gustavo Gasparani (Édipo), que modula a sua centralidade, recorrendo a ênfase corporal e vocal. Fabiana de Mello e Souza, como Corifeu, demonstra presença exteriorizada, sem a força exigida ao narrador. César Augusto cumpre com bem medida contracena as intervenções de Creonte. Eliane Giardini marca de modo provocante (o figurino assim a define) a sua Jocasta. Thiago Magalhães como o arauto antecipr o desfecho da tragédia. Amir Haddad (Tirésias) Jitman Vibranovski (emissário) e Rogério Fróes (pastor) se investem de portadores de terríveis revelações.      

                                               macksenr@gmail.com