quinta-feira, 11 de outubro de 2012

35ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ O Homem Travesseiro
Recomposição cruel de tirânicas tramas
A construção precisa do irlandês Martin McDonagh do texto em cena no Teatro Laura Alvim é determinada por costura dramatúrgica em que situações, diálogos e personagens contracenam com tensão interna, cirurgicamente traçada. O interrogatório a que é submetido escritor de histórias perversas, através das quais se delineia a sua própria história, revivida em sessões torturantes nas dependências prisionais de obscuro regime ditatorial. Recompondo em embate com seus algozes ou com o irmão deficiente mental, as crueldades dos pais na infância, o escritor desvenda, para além de autor e vítima de suas criações literárias e de atos reais, crimes reveladores e protagonismos. São vias múltiplas de um enredo de crueldade e dominação, de brutalidade e morbidez, até ao ponto de convergência de tirânicas tramas individuais, de ação dramática que fornece pistas desviantes. A sequência de descobertas e o tensionamento crescente, que oferecem indícios que se desmentem ou se comprovam como se fossem subtrama policialesca, o que demonstra a elasticidade do texto, denso e envolvente. A encenação de Bruce Gomlevsky reproduz com acuidade o clima intrigante e reflexivo de McDonagh, trançando as cenas com intensidade de seus movimentos internos, em oscilação entre os conflitos, medidos pela força da violência. O diretor demonstra em fina tradução cênica sintonia com a matéria dramática. O cenário de Marcos Flaksman, apesar de traço excessivamente convencional, atende às necessidades da montagem. A música de Borut Krzinski merece registro. Tonico Pereira empresta larga extensão interpretativa ao oficial de polícia. Miguel Thiré fica um tanto restrito à composição física. Ricardo Blat encontra o tom para o irmão deficiente. Bruce Gomlevsky tem desempenho que reflete a mesma e sensível compreensão do texto que traduz como diretor.       


Crítica/ Sóbrios
Mostruário de desajustes familiares
Esse texto de Adam Rapp, em cartaz no Espaço Tom Jobim, se filia à tradição do realismo psicológico da dramaturgia americana. A desestruturada família, que tem um adolescente, meio nerd, meio fronteiriço, como condutor de trama que envolve competição violenta, fé vazia, drogas e tentativas de suicídio, é exibida como mostruário de desajustes. O pai, pateticamente ausente, a mãe, alterada adoradora de ícones religiosos, a filha, drogada e prostituída, o filho, supostamente vivendo num mundo virtual, são coadjuvados por pitonisa que coabita com uma cobra em hotel de Nova Iorque, garota muda e motorista pedófilo. Sem dúvida, um painel de estereotipias que se desenha por situações não menos óbvias. As personagens são categorizadas por idades (os mais velhos, desiludidos e sem perspectivas, se confundem com os jovens mergulhados na mesma vibe), a narrativa pelo empréstimo de recursos realistas (a ambientação condiciona as atitudes de cada um) e o clima decadentista acentuado por sexo, droga e rock and roll tardio. Há muito de déjà vu e pouca segurança do autor na evidente intenção de provocar impacto, totalmente frustrada. O interesse que tal texto possa ter provocado em quem o importou, se explica, talvez, pelo desafio que propõe a um diretor estreante. É o caso de Erika Mader que se propõe a encenar essa desgastada trama, abordando-a como desafio, abrigada pela divisão em quadros e sugestão de cortes rápidos. É o que a neófita diretora aplica, procurando ritmo que internamente o texto não possui. Falta à cena maior atmosfera que a torne crível, afinal se trata de realismo. A diretora não consegue encontrar o nervo daqueles seres soltos, mais preocupada em desenhar os contornos de sua pele. O final, que é possível prever bem antes do desfecho, não tem tratamento do autor e da diretora que evitem a sua facilidade dramática. O elenco – Léo Wainer, Cris Larin, Luisa Arraes e César Cardadeiro – se esforça para tornar verdadeiro o que é somente imposto.

                                                      macksenr@gmail.com