segunda-feira, 20 de agosto de 2012

29ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Milton Nascimento – Nada Será Como Antes
Excelente coral de individualidades celebra repertório
O modelo é o bem sucedido Beatles Num Céu de Diamantes, que a dupla Claudio Botelho e Charles Möeller estreou há seis anos, inaugurando estilo de encenar repertório musical. Naquela sequência de canções do grupo inglês, sem recorrer a uma única palavra, a não ser das letras, se percorriam as músicas com leve toque de interpretação (no sentido dramático) em encadeamento cênico marcado, unicamente, pelo roteiro musical. Em Milton Nascimento – Nada Será Como Antes em cartaz no Theatro Net Rio a fórmula se repete com a roteirização da obra do compositor revivida como construção teatral que se aproxima de Milton em laboriosa costura. Dividida em estações do ano, a montagem reúne na primavera canções de uma certa evasão poética (Cigarra, Um Girassol da Cor dos seus Cabelos, O Trem Azul, Nuvem Cigana, Clube da Esquina). No verão, sons solares se misturam a algumas sombras quentes (Aqui É O País do Futebol, Bola de Meia, Bola de Gude, Maria, Maria, Caicó Cantiga). No outono, se ouve o declínio das esperanças num país silenciado (Saudades dos Aviões da Panair, Encontros e Despedidas, Canção da América, Fé Cega, Faca Amolada). No inverno, vozes procuram quebrar o silêncio (Oração, Credo, San Vicente, Sentinela, Menino). Essas categorias climáticas servem, à perfeição, para abranger os momentos da música de Milton Nascimento e da poética de seus parceiros – Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Lô Borges, Márcio Borges. A passagem do tempo, partindo dos anos 70, se fixa no percurso paralelo em que as criações dialogam com as fraturas de vivência coletiva. Sem a obviedade da citação, Botelho e Möeller contam, não somente sobre uma obra, mas como esta obra surgiu e a força de sua permanência. A música e as letras conduzem a lembranças, para os mais velhos, e à inteireza e a revelação do repertório, para os mais jovens. Ao cercar de tanto cuidado na abordagem, ordenamento e seleção deste formato de musical, a dupla o estende aos demais planos da cena. O cenário de Rogério Falcão, que lembra sobrado de cidade histórica mineira, com esboço de papel de parede antigo e  elementos (lustre, móbile, biombo, móveis) que mudam a cada estação, estabelece visual sugestivo e agradável. O pequeno trem de madeira no proscênio, acrescenta mais um toque de mineiridade à ambientação. Apenas o figurino fica aquém do traço evocativo. É tão somente ilustrativo e pouco inventivo. Mas o maior destaque de Nada Será como Antes está na força musical, seja na direção de Claudio Botelho, nos excelentes arranjos e orquestração de Délia Fischer, nos ótimos arranjos vocais de Jules Vandystad e nos atores-músicos – Cássia Raquel, Claudo Lins, Délia Fischer, Estrela Blanco, Jonas Hammar, Jules Vandystadt, Lui Coimbra, Marya Bravo, Pedro Aune, Pedro Sol, Sérgio Dalcin, Tatih Köhler, Whatson Cardozo e Wladimir Pinheiro. A alta qualidade e sofisticação técnica que envolvem essa equipe com domínio instrumental e vocal de alto nível projeta com sensibilidade e competência as nuances de repertório bastante conhecido. Canções com marcante interpretação e arranjos originais e com os quais Milton consolidou sua carreira, ganham ar renovado, mas sem retirar-lhes o sopro poético e a riqueza melódica. São recriadas e revigoradas, e em várias delas, até valorizadas. O elenco, de impecáveis vozes e viva presença, deve ser destacado como um todo. Não há como ressaltar nomes, quando o conjunto se integra tão harmoniosamente como um coral de precisas individualidades sonoras.


                                                           macksenr@gmail.com