quarta-feira, 29 de agosto de 2012

30ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Navalha na Carne
                                    
                                              Fotografia de personagens em fim de linha

O texto de Plínio Marcos, escrito na década de 60, com seu naturalismo exacerbado e personagens à margem, que tanto escandalizou quando de sua estréia, cinquenta anos depois, esvaziado do impacto inicial, permanece sólido como estrutura narrativa e forte na ação dramática. O trio de desgarrados, confinado na sua miséria social e solidão afetiva, ainda se sustenta como retrato de disputa sem vencedores e perspectivas. Nenhum dos personagens escapa da violência sob a qual sobrevivem, e por mais que uns tiranizem os outros, todos estão submetidos à mesma e inescapável condenação a degradados papéis sociais. Os diálogos que expõem cruamente essa rotação de sentimentos destroçados são de um verismo verbal que não se esconde em nuances. Todo o quadro criado por Plínio Marcos ainda se sustenta dramaticamente e se mantém íntegro a cada nova montagem. É o que acontece agora na direção de Rubens Camelo, que estreou no ano passado num hotel de prostituição na Praça Tiradentes, usado com cenário natural para acondicionar o entrecho. A ambientação num quarto do hotel pode ter conferido maior realismo do que no exíguo espaço do Porão da Casa Laura Alvim, mas a proximidade da platéia no novo espaço  não alterou a veemência do entrecho. O entrechoque entre a prostituta, o cafetão e o homossexual num sórdido quartinho, em que cada um com violência, ora física, sempre verbal, atinge os espectadores como co-integrantes de fotografia superexposta de realidade humana. O que prova a durabilidade do texto e a manutenção de sua imperiosa contundência. A montagem de Camelo se atém ao naturalismo e não quer inventar. Lança, prudentemente, toda a responsabilidade da cena para o elenco, que reproduz o embate emocional dos personagens com vigor físico. Tanto Zé Wendel, como o homossexual, quanto Rogério Barros e Marta Paret não dramatizam o que deve ser somente mostrado. Nenhum deles exagera na composição, encaminhando as interpretações para o aspecto mais fotográfico, fixando-se no retrato cruel de três indivíduos em fim de linha.


Crítica/ Artaud – A Realidade É Doida Varrida
Ritual sem a densidade do grito
Antonin Artaud em seu poético, delirante e anti-realista teatro da crueldade foi um criador inflamado, confundindo tormento e lucidez, existência e literatura, desconstrução e reflexão em arrebatada unidade biográfica. O confinamento em manicômios não elimina a razão do artista que persegue a “metafísica em ação”, o absoluto do “pensamento em estado puro” em busca da “linguagem em forma de encantação”. Com direção, interpretação, cenário, figurino e seleção musical de Marcos Fayad, Artaud – A Realidade É Doida Varrida se baseia na apresentada no Teatro Ipanema na década de 90, pelo menos na utilização do texto. Dividido em módulos (teatro, loucura, depoimentos, criação), que tecem o rosto de vários Artauds, apoiando-se no estado alucinatório, que o teórico pretendia fosse “o principal meio dramático”, o texto de Rubens Corrêa e Ivan Albuquerque se alimenta de diversos de seus escritos  sobre o que viveu nas suas internações e construção de pensamento teatral. Como interno ou como homem de teatro, concebe a existência como manifestação ritualista que o aproxima da essencialidade dos movimentos da natureza e do sagrado do mecanismos da cena. E é dessa coleta de fragmentos emocionais e da sintonia com transformações da arte de que é feita a celebração de um temperamento em ebulição. A versão atualmente no Galpão das Artes do Espaço Tom Jobim segue a original, pelo menos como o mesmo desejo de recriar um pensamento nos seus próprios termos. Para tanto, Fayad abriu a cenografia (no Ipanema, a encenação era sob o palco e bastante soturna), utilizou projeção de tela de Van Gogh (a análise de Artaud sobre a obra é envolvente), desenhando interpretação com muitos gestos. Em pouco mais de uma hora, o ator não se apropria, verdadeiramente, dos seus meios expressivos. Os gestos são coreográficos, mas sem fundamentos dramáticos, numa linearidade interpretativa desprovida de modulações e de intensidade que os monólogos interiors de Artaud carregam. Marcos Fayard exterioriza as palavras, projetando-as sem a ritualidade que lhes é implícita e enfraquecidas da densidade de seu grito.

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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

29ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Milton Nascimento – Nada Será Como Antes
Excelente coral de individualidades celebra repertório
O modelo é o bem sucedido Beatles Num Céu de Diamantes, que a dupla Claudio Botelho e Charles Möeller estreou há seis anos, inaugurando estilo de encenar repertório musical. Naquela sequência de canções do grupo inglês, sem recorrer a uma única palavra, a não ser das letras, se percorriam as músicas com leve toque de interpretação (no sentido dramático) em encadeamento cênico marcado, unicamente, pelo roteiro musical. Em Milton Nascimento – Nada Será Como Antes em cartaz no Theatro Net Rio a fórmula se repete com a roteirização da obra do compositor revivida como construção teatral que se aproxima de Milton em laboriosa costura. Dividida em estações do ano, a montagem reúne na primavera canções de uma certa evasão poética (Cigarra, Um Girassol da Cor dos seus Cabelos, O Trem Azul, Nuvem Cigana, Clube da Esquina). No verão, sons solares se misturam a algumas sombras quentes (Aqui É O País do Futebol, Bola de Meia, Bola de Gude, Maria, Maria, Caicó Cantiga). No outono, se ouve o declínio das esperanças num país silenciado (Saudades dos Aviões da Panair, Encontros e Despedidas, Canção da América, Fé Cega, Faca Amolada). No inverno, vozes procuram quebrar o silêncio (Oração, Credo, San Vicente, Sentinela, Menino). Essas categorias climáticas servem, à perfeição, para abranger os momentos da música de Milton Nascimento e da poética de seus parceiros – Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Lô Borges, Márcio Borges. A passagem do tempo, partindo dos anos 70, se fixa no percurso paralelo em que as criações dialogam com as fraturas de vivência coletiva. Sem a obviedade da citação, Botelho e Möeller contam, não somente sobre uma obra, mas como esta obra surgiu e a força de sua permanência. A música e as letras conduzem a lembranças, para os mais velhos, e à inteireza e a revelação do repertório, para os mais jovens. Ao cercar de tanto cuidado na abordagem, ordenamento e seleção deste formato de musical, a dupla o estende aos demais planos da cena. O cenário de Rogério Falcão, que lembra sobrado de cidade histórica mineira, com esboço de papel de parede antigo e  elementos (lustre, móbile, biombo, móveis) que mudam a cada estação, estabelece visual sugestivo e agradável. O pequeno trem de madeira no proscênio, acrescenta mais um toque de mineiridade à ambientação. Apenas o figurino fica aquém do traço evocativo. É tão somente ilustrativo e pouco inventivo. Mas o maior destaque de Nada Será como Antes está na força musical, seja na direção de Claudio Botelho, nos excelentes arranjos e orquestração de Délia Fischer, nos ótimos arranjos vocais de Jules Vandystad e nos atores-músicos – Cássia Raquel, Claudo Lins, Délia Fischer, Estrela Blanco, Jonas Hammar, Jules Vandystadt, Lui Coimbra, Marya Bravo, Pedro Aune, Pedro Sol, Sérgio Dalcin, Tatih Köhler, Whatson Cardozo e Wladimir Pinheiro. A alta qualidade e sofisticação técnica que envolvem essa equipe com domínio instrumental e vocal de alto nível projeta com sensibilidade e competência as nuances de repertório bastante conhecido. Canções com marcante interpretação e arranjos originais e com os quais Milton consolidou sua carreira, ganham ar renovado, mas sem retirar-lhes o sopro poético e a riqueza melódica. São recriadas e revigoradas, e em várias delas, até valorizadas. O elenco, de impecáveis vozes e viva presença, deve ser destacado como um todo. Não há como ressaltar nomes, quando o conjunto se integra tão harmoniosamente como um coral de precisas individualidades sonoras.


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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Outros Palcos


São Paulo

Crítica/ O Poder da Loucura Teatral
Movimentos em série em direção à permanência de linguagens
A edição deste ano da Mostra Sesc na área teatral reuniu programação instigante, com a participação de grupos internacionais que se movimentam pelos cânones das artes cênicas se apropriando de outros meios expressivos que os complementam e os fazem avançar nas possibilidades de explorar  linguagens. O Poder da Loucura Teatral, que encerrou a mostra de duas semanas no Sesc Pinheiros, é o exemplar-síntese de curadoria muito bem sintonizada com os múltiplos caminhos tentados pelo teatro na sua busca de ampliar os meios de permanência a qualquer e a todo tempo. Nesta elegia teatral do belga Jan Fabre há espaço para que esses meios se experimentem como cena. Existe a palavra, mas é assessória e ritmada para marcar o movimento. Existe a dança, mas é gestualidade e ação para capturar a narrativa. Existe a performance, mas é dramaturgia para construir  cenografia física. Existe o música, mas não é trilha, sonorização para cenas seriadas. O exercício deste poder louco de juntar elementos para criar um fluxo que, ainda que os contenham, não privilegiam nenhum deles, percorre rotas  para investigar rumos, não chegadas. Por mais que procure atalhos ou redefina códigos, essa peça-perfomance-dança-musical-show-espetáculo vai atrás da permanência do teatro e da dança através dos meios que lhe são formadores, ao mesmo tempo que os desmentem com a reversão de seu uso. Fabre cria compartimentos formais que ainda que retirados das suas origens teatrais, musicais e de  dança eliminam a palavra, utilizada apenas como citação, a sonoridade melodiosa, emitida somente como ruído, o movimento, projetado quase como exercício de repetição. Nas 4h20 de espetáculo, sem intervalo, esse jogo de técnicas e diluições de referências  é moldado por ação ritmada, em que tudo se repete à exaustão. A relação de nomes citados (diretores teatrais, coreógrafos e grupos de criação artística), a recorrência de gestos e de passos, e a marcação coreográfica de metódica dramática, compõem quadro que, pela inversão de funções, quebra a fixidez do compartimento. A montagem se agita todo o tempo de sua duração, com as cenas se armando e desarmando aos olhos da platéia como se procurassem reproduzir o processo de criação dos quadros clássicos que inspiram e ilustram a força da loucura da arte e que são projetados ao fundo. Os atores-performers-bailarinos são extraordinariamente bem equipados para desempenhar as múltiplas intervenções neste aplicado recondicionamento de convenções e expandido limite das potencialidades de atuação. O elenco é capaz, quase ininterruptamente e em posição frontal para a platéia, de correr, como se estivesse numa esteira de exercício, falando uma série de nomes com poderosa emissão vocal e surpreendente preparado físico. E não é apenas uma demonstração de virtuosismo e de bom preparo na sala de ensaio, mas a expressão de técnica e de integração à proposta do encenador. A estética de Jan Fabre descarna a dramaticidade em favor da seu questionamento como linguagem mutante. Expurgada de emoções, emerge da cena a exposição dela própria como matéria artística, deixando à mostra uma certa eugenia de criação (sem qualquer conotação ideológica ou histórica) que padroniza, pela seriação, os desviantes e incertos caminhos da contemporaneidade.       


Crítica/ Dorotéia
A farsa irresponsável de Nelson Rodrigues
Depois de temporada no Poeira, em Botafogo, essa “farsa irresponsável” como a definiu seu autor Nelson Rodrigues, chega a São Paulo, e pode ser vista no Teatro Raul Cortez. A encenação de João Fonseca evita, o quanto é possível pelas difíceis características do texto, a caricatura rasgada, talvez um dos únicos meios de torná-lo menos bizarro. As obsessões rodriguianas parecem um tanto exageradas, reduzidas a simbologia primária e a narrativa melodramática. O diretor se desvia, na medida limitada que a farsa oferece, desses aspectos grotescos e carregados, deixando à vista apenas a trama no seu desenvolvimento linear. Para tanto, se cercou de cenário de Nello Marrese, que explora a cor preta em contraste com pingentes brilhantes, do qual a iluminação de Luiz Paulo Nenen tira o melhor partido. João Fonseca ao optar por compor o trio de tias com atores, de certa maneira demonstra o desejo de intervir de modo mais autoral em personagens tão pateticamente conotados. Tanto Paulo Verling, quanto Alexandre Pinheiro, e em especial Gilberto Gawronski, acentuam esse patético em hiper-interpretação carregada de gestos e máscaras hirtas. Keli Freitas e Marcus Majella acompanham com a mesma intensidade de atuação o trio. Alinne de Moraes é um bonita presença em cena.  


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domingo, 12 de agosto de 2012

28ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ A Partilha
Comédia de sabor agridoce e aroma amoroso
Há 22 anos estreava no Teatro Cândido Mendes uma modesta produção com quarto atrizes, a maioria delas conhecida pela televisão, que lançava o primeiro texto de maior fôlego de Miguel Falabella. A repercussão crítica e popular desta habildosa comédia dramática de Falabella, que foi vista por milhares de espectadores, excursionou pelo país durante anos e foi levada ao cinema, agora ganha nova temporada no Teatro Oi Casa Grande. Nesta revisão, confirmam-se suas qualidades, reitera-se a sensibilidade do autor para o universo feminino e para comédia de costumes da classe média. Ao escrever sobre o texto na época, dizia que A Partilha é uma peça simples na qual quatro irmãs se encontram no velório da mãe. retomando pela circunstância da morte (o fim de um tempo) o passado comum. A divisão dos bens, deixados pela morta, acentua as diferenças entre elas e o início de possíveis transformações, lançando-as num jogo em que a crueldade serve de estímulo para que, da divisão, cheguem à unidade, simbolizada pelo conjuntinho de café da Toddy, objeto da união afetiva. Não é fácil trabalhar planos tão sutis quanto os da emotividade e do riso. Um velório pode ser cenário para o humor, tanto quanto a lágrima que devolve vivências. Os objetos, desmembrados para se transformarem em dinheiro, não têm apenas o valor passível de ser contabilizado monetariamente. São sinais evidentes de expressões afetivas. Miguel Falabella administra essas realidades dramáticas com exemplar delicadeza ao contar história para encontrar as motivações das personagens. Falabella sente a alma feminina. Além dessa enorme sensibilidade do autor para captar as recorrências das emoções, A partilha demonstra ser uma peça com excelente bom humor. O riso acompanha a história suavemente ácida dessas mulheres. O seu melhor sabor é o agridoce. O seu melhor aroma é o amoroso. A montagem de Miguel Falabella que se encaixava tão bem no Cândido Mendes (o tamanho do teatro envolvia o intimismo do texto) poderia ter se esgarçado no amplo palco do Casa Grande e, deste modo, perdido a sua real medida. Mesmo que tenha sido necessário o uso de microfones pelas atrizes e que o cenário tenha se expandido para a adequação à embocadura do palco, a segurança do diretor, agora acrescida da maturidade, fica confirmada. Miguel Falabella passeia pelo seu texto, impondo poucas ou quase nenhuma novidade à sua direção original, preservando aquilo que a peça tinha de mais atraente, aparando aquilo que tinha de menos resolvido. Cenário e iluminação funcionam, apenas o figurino, em especial o da personagem de Susana Vieira  se mostra exageradamente infeliz. O quarteto de atrizes – Arlete Salles, Susana Vieira, Patrycia Travassos e Thereza Piffer -, praticamente o mesmo de há duas décadas, não tem dificuldade de reproduzir  os bons desempenhos do passado, compensando o inevitável passar do tempo com certa malícia de o incorporar com pequenos detalhes críticos. A Partilha, neste nostálgico revival, demonstra-se certeira lembrança para o público.
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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

27ª Semana da Temporada 2012


Cartazes De Um Mesmo Teatro

Poeira

Crítica/ O Outro Van Gogh
Interpretação límpida
O relacionamento dos irmãos Theo e Vincent Van Gogh demarcado por intrincados novelos emocionais que os ligaram, tem exercido atração irresistível para transpô-lo aos palcos. Em forma de monólogo, baseado nas cartas que trocaram ao longo da intensa permuta de afeto, devaneios crueldade e demência, a correspondência deixa entrever os liames da criação de um artista fulgurante e o fraterno e difícil papel de fazer com que o seu tempo aceitasse a forte intensidade de obra e criador atormentados. O texto de Maurício Arruda Mendonça não foge ao formato e muito menos à fonte, mas avança na observação dos conflitos dos irmãos através de Theo, capturado num estado mental confuso, percorrendo a convivência com Vincent, misturando-se a ele, em alternância entre lucidez e delírio. A sua própria história, tão culposamente ligada a do irmão, o passado comum, as dificuldades como marchand de Van Gogh, convergem com introspectiva poética e dramático realismo para narrativa condensada e escorreita. A direção de Paulo de Moraes se reflete no espaço cênico despojado, com apenas cadeira e luminária, área vazia a ser preenchida pela projeção interpretativa do ator em salto solo. Não há firulas desviantes diante da concentração proposta pelo texto. O rumo adotado por Moraes é o de conduzir-se pela mesma linha que as palavras emocionalmente inflamadas lançadas por Theo percorrem até encontrar tradução emotivamente controlada. Tem êxito nesta adequação texto-cena, não só pelo ator, mas também pelo excelente iluminação de Maneco Quinderé, que desenha com extrema sensibilidade a área da representação como prolongamento da intensidade projetada pelo intérprete. E o intérprete, Fernando Eiras, inscreve o seu temperamento de ator nos desvãos entre loucura e lucidez do personagem, se fazendo Theo em vivo diálogo com Vincent. Uma atuação límpida.          


Crítica/ Eu É Um Outro
Poesia atropelada pela pesquisa 
O texto de Pedro Brício parece ser obra de encomenda. Não que o autor de dramaturgia tão variada quanto interessante não demonstrasse intimidade com o tema, afinal algumas de suas peças têm consistente viés histórico. Mas neste caso, a vida do poeta francês Arthur Rimbaud resultou em investida por demais demarcada por pesquisa, que por mais que Brício tentasse diluí-la, se sobrepõe à sua escrita. Ao criar para além de narrativa sobre o poeta histórias paralelas, passadas em épocas diferentes que convergem para a de Rimbaud, presente em cada uma delas e mediadas por citações, o artifício não resulta. O recurso parece ter sido usado para evitar a tradicional compilação de fatos biográficos e descentralizar a ação dramática. Os efeitos se mostram limitadíssimos. De início, provoca situação teatral saturada, em que todas as informações sobre a vida do poeta são metralhadas numa sucessão de acontecimentos disparados para encerrar o assunto e partir para a pretendida dramaturgia. O clima de ensaio e o paralelismo são frágeis, gera reação inversa (evitar o convencionalismo), evidenciando a pouca disponibilidade de Brício para embalar melhor a pesquisa. A diretora Isabel Cavalcanti procura intensificar o material dramático, impondo ritmo acelerado, recorrendo a transformações rápidas entre as histórias, acelerando o que no texto se revela ralentado. Mas toda essa movimentação é apenas relativamente eficiente, já que os descompassos da escrita se evidenciam mais do que se encobrem. As projeções atenuam o nada inspirado cenário. André Marinho é, entre todos do elenco, aquele que ao se desdobrar em vários personagens, alcança melhor rendimento. Ana Abbot investe numa linha mais penetrante, mas que pouco desenvolve. Lorena da Silva está algo gauche, especialmente no discurso final da tradutora. Alcemar Vieira e João Velho têm intervenções insatisfatórias.        


CCBB

Crítica/ Histórias de Família
À distância dos jogos de guerra
O Amok completa com Histórias de Família a sequência de encenações de que fazem parte O Dragão e Kabul, e que o grupo denominou de Trilogia da Guerra. Em relação às anteriores, a atual montagem adota maior variação de estilo e menor adensamento de dramaturgia. A guerra atual se refere ao embate das províncias iugoslavas e o esfacelamento de vidas através dos jogos infantis e do desfocar dos olhares adultos para a violência . Geográfica (a ex-Iugoslávia) e estilisticamente (a forma se contrapõe ao conteúdo) a montagem e adaptação de Ana Teixeira e Stephane Brodt para o texto de Biljna Srbljanovic é por demais situada em conflito determinado, explorado através de distanciamento, quebrando o tensionamento jogo de guerra- jogo cênico. Ao reproduzir os efeitos da guerra em núcleos familiares, representados como estilhaços da barbárie circundante, os atores deste play-ground absurdo anti-bélico adotam tom desconcertante para tratar de situações violentas. Palavra e imagem se manifestam em dissociação, como se pretendesse amaciar a relação com a platéia, tratando tema espinhoso de modo atenuado. As ressonâncias da guerra nas representações familiares quando confrontadas com as escaramuças em vídeo e em outros sinais do conflito (estandarte com referência a União Européia, roupas banhadas em tina de sangue) ficam enfraquecidas. A distância se acentua ainda mais pelo estranhamento formal que o texto propõe e que a encenação do grupo carioca confina em invólucro europizante. A projeção dessa guerra rebate fragilmente sobre o espectador, que assiste a cenas como se de drama de comportamento se tratasse, até que a guerra se revele como tragédia coletiva. O artesanato do Amok se mantém com o mesmo acabamento das montagens anteriores, ainda que a serviço do encerramento de trilogia em que a guerra esteve melhor enfocada nos espetáculos anteriores.   


Crítica/ Raimunda, Raimunda

Francisco Pereira da Silva, autor piauiense de Raimunda, Raimunda, reunião num único espetáculo, dirigido por Regina Duarte, de dois de seus textos (Ramanda e Rudá e Raimunda Pinto), tem sua obra fixada na cultura nordestina e dramaturgia excessivamente incensada. Faz parte da história do espetáculo carioca a encenação do Teatro dos Sete, com Fernanda Montenegro e companhia, de O Cristo Proclamado, escrita por Pereira e registrado como retumbante fracasso de público no Teatro Copacabana na década de 60. A aceitação da obra do autor, sempre sofreu esse descompasso com a bilheteria, sendo destacada as suas variadas qualidades, mas repetidas as suas dificuldades de ser levada ao palco. Mais uma vez, esse descompasso fica à descoberto pela inadequacão da montagem em interpretar um texto, aparentemente, mais passível de ser avaliado como literatura dramática do que como peça teatral. O que se assiste no Teatro I é pouco mais do que encenação equivocada em desmedida inexpressividade. O primeiro texto, com caráter fantasioso, voltado a questões pré-ecológicas e  afins, é ingênua em sua conformação de denúncia-protesto, na qual a diretora embarca no mesmo nível primário das elocubrações do autor em torno de desastre atômico. O segundo, bem mais ajustado ao espírito da dramaturgia de Pereira da Silva, não deixa também de ser ingênuo, ensaio de comédia de costumes que se perde a meio do caminho. A intervenção da diretora não evoluiu muito frente a peça-esquete anterior. Confusa, amadora, pobre, sem invenção, desorientada, a montagem segue o desenvolvimento da trama, acentuando as suas fraturas e ampliando o seu envelhecimento. Com visual improvisado, figurinos grotescos, iluminação e música inexpressivas, Raimunda, Raimunda não se sustenta nem mesmo pelo elenco, esforçado, mas irremediavelmente fraco.        


Ipanema

Crítica/ Pop Corn – Qualquer Semelhança Não É Mera Coincidência
Sem citações e originalidade
Como é do seu jeito maleável de incorporar em suas peças múltiplas influências e citações, Jô Bilac resolveu em Pop Corn falar, diretamente, de inspiração e posse de imaginação alheia para alimentar a sua própria. É esta, pelo menos, a justificativa do autor para utilizar esse mote na comédia de trama rala que desenvolve com pouca invenção e nenhuma originalidade. Os tipos, rascunhos de personagens, não passam de clichês de comportamento. Os diálogos, vazios e nada comunicativos atingem alto grau de vulgaridade. A narrativa, falsamente desconstruída, acaba por ficar atabalhoada, para o que a direção conjunta de Jô e Sandro Zangrandi não se furta de dar sua melhor contribuição. Com cenário convencional de Nello Marrese, figurinos exagerados (os femininos) de Natália Lana, iluminação de Tiago Mantovani, a montagem tem elenco em que Xuxa Lopes tenta projetar a atriz usurpadora com algum charme, enquanto Maria Maya recorre a uma certa frescura maldosa como a esposa. Mabel Cezar é presença apagada. Os atores – Cássio Pandolfi e Vinícius Arneiro - ficam em plano secundário, como seus inexpressivos personagens. 

Crítica/ Dentro
Falta de mira dos tiros coletivos
Sob o titulo de Dentro, esse espetáculo inclui no texto Michel Blois, argumentista e diretor, e mais o grupo Pequena Orquestra formado pelos atores da montagem e ainda Átila Calache, todos assinando a criação (do texto e da encenação?). São muitos para sustentar algo que, como obra final, não é demonstrativo do trabalho de tantos. A excessiva contribuição de vários, não chega a se tornar um ensemble, menos ainda orgânica criação coletiva capaz de se constituir em narrativa, seja linear, crítica ou inovadora. Cenas espasmódicas costuradas pela arbitrariedade da dramaturgia, os criadores se enrolaram durante o processo, acumulando  pedaços, flashes, fragmentos, que é o que, verdadeiramente, chega ao palco. É neste enquadramento que os atores levam a sua performance,. São tiros sem alvo, que Fabrício Belsoff, Fernanda Félix, Joana Lerner, Michel Blois, Pedro Henrique Monteiro, Rodrigo Nogueira e Thiara Maia detonam. A maioria ou totalidade deles, se perdeu na sala de ensaio por falta de mira. 

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