terça-feira, 3 de abril de 2012

14ª Semana da Temporada 2012


Experimento e Tradição

Crítica/ Farnese de Saudade
Instalação performática sobre os tormentos de um artista
Vandré Silveira, autor, cenógrafo e intérprete desse monólogo em cartaz Espaço Cultural Sérgio Porto, por força da concentração de funções faz do espetáculo um projeto de completa pessoalidade. Mesmo que a direção seja assinada por Celina Sodré, a investida de Silveira na vida e obra do atormentado artista plástico Farnese de Andrade se mostra como um mergulho de alguém profundamente envolvido no universo do artífice de bonecas queimadas, gamelas toscas, ex-votos e caixas-oratórios. A origem mineira e o permanente entrechoque do real com o imponderável da criação, o caráter quase metafísico de um artista incapaz de sobreviver sem o apóio da evasão e atalhos emocionais, percorrem a dramaturgia dessa performance-instalação, em que a composição visual se sobrepõe à atuação. A estrutura aramada, construída como uma cruz com fragmentos de ícones religiosos e objetos profanos contém os labirínticos sentimentos do artista, em atrito consigo mesmo e com um mundo ao qual não se sentia pertencer, a não ser pela escape da loucura interior. Essa delirante pulsação de vida e de criação está, em parte, teatralizada por Vandré Silveira, que refaz o trajeto existencial de Farnese, referenciando-o à sua obra e representando-a como culto religioso. A multiplicidade de intenções – plásticas, performáticas, teatrais, coreográficas, ritualísticas – distorce o eixo da dramaturgia, que não se consolida textual e cenicamente. A sequência de movimentos, que constroem a cenografia e a trilha tonitroante, procuram preencher a suprir a desestrutura da dramaturgia. Se visto do ponto de vista de performance, falta a Farnese de Saudade adotar mais vigorosamente o estilo. Se visto do ponto de vista puramente teatral, falta maior incorporação da palavra. Se visto do ponto de vista plástico, falta à arquitetura  cênica instalar-se autonomamente. Vandré Silveira compõe em pouco mais de 50 minutos, celebração de contornos religiosos, em constante movimentação, que ao longo desse tempo, arma e desarma a instalação, sem chegar a alcançar força dramática que retrate, para além do visual, a tormentosa existência de Farnese Andrade. 

Crítica/ Em Nome do Jogo
Papéis trocados em contracena de mistérios
Neste texto do inglês Anthony Shaffer, que envolve trama policialesca, tão cara à dramaturgia anglo-saxã, os ingredientes são modulados ao gosto de platéias fieis às histórias de jogos de gato e rato, com doses bem medidas dos diálogos. Tão importante quanto a ação, é a coerência com a qual o autor conduz a narrativa, neste caso com menos do “quem matou” e mais de “como descobrir o mistério do jogo”. Na década de 70, quando Em Nome do Jogo foi sucesso em todo o  mundo, inclusive no Brasil, e no cinema, com o título de Jogo Mortal, com Laurence Olivier e Michael Caine, reforçou o alcance do gênero no teatro. Os anos e as mudanças nas preferências do público deixaram marcas no estilo e na recepção deste thriller, que sobrevive como lembrança de fórmula que atendia a um certo tipo de expectativa de um teatro comercial. A versão de Gustavo Paso, que pode ser vista no Teatro da Maison de France, intenta traduzir o formato original e impostar os atores  em interpretações mais técnicas. O cenário de Ana Paula Cardoso e Carla Berri estabelece com realismo a ficção do suspense, com alguma eficácia, a mesma com que o diretor conduz a encenação. Paso não consegue, no entanto, resolver, satisfatoriamente, o final, que se conclui sem tenha havido, anteriormente, avanço da história num crescendo. A urdida da trama apoiada nas mudanças de posições alternadas entre algoz e vítima, nem sempre atinge o ritmo necessário para que a troca de papéis se torne credível. A dupla de atores demonstra alguma distância do que o gênero convencionou que seja mordaz e levemente cínico. Marco Caruso, ator de características bem marcadas por humor solto, brasileiro, sobrecarrega o escritor de histórias policiais tão inglês, com jeito bonachão. Emílio de Mello, ator com registro mais experimental, compõe o personagem com contornos que se afastam do seu temperamento de intérprete, o que esvazia a sua atuação.

                                                                     macksenr@gmail.com