terça-feira, 20 de março de 2012

12ª Semana da Temporada 2012

Crítica/ A Primeira Vista
Mulheres surgem para além do que parecem ser
Daniel MacIvor, o autor canadense de A Primeira Vista, que o público carioca conheceu através de seu outro texto, In on It, a julgar por esses dois exemplares, constrói a sua dramaturgia como uma arquitetura. Tanto em uma quanto em outra peça, MacIvor estabelece jogo entre a ficção e o real, em que a trama surge como sujeito oculto, material sobre o qual os personagens se revelam, sutil e gradativamente. Em A Primeira Vista, em temporada no Teatro Poeira, as duas personagens vão se aproximando, se conhecendo, entrelaçando o que são e o que fingem ser. Atrizes e personagens, verdade dos sentimentos e mentira da representação se misturam como impulsionadoras da narrativa, que contrabalança a carga formalista com o aspecto coloquial da cultura pop. Diálogos entrecortados, com sentimentos inconclusos e emoções que se tocam por canais obstruídos, se traduzem em mulheres em estado de dúvida sobre aquilo que vivem, ou acham que vivem, com intensidade que não corresponde a qualquer traço psicológico. O que torna o texto difícil de ser encenado é que o substrato da narrativa precisa emergir para além da aparência. A tradução de Daniele Ávila captura essa subtrama com transcrição fluente e em sintonia com o universo vocabular das personagens. O diretor Enrique Diaz, tal como o fazia em In on It, conduz a cena com avanços e recuos minimalistas da ação, capturando o movimento subterrâneo que tece a convivência. Diaz acentua o humor e o pano de fundo (música pop, relações contemporâneas, palavras fortuitas) que ambientam a cena. Um grande fundo infinito, grafitado por Marcos Chaves, e iluminado com bela teatralidade por Maneco Quinderé, desenha a área em que as atrizes expõem algo mais do que boa técnica. Drica Moraes e Mariana Lima mergulham neste jogo de intencionalidades (tudo se mostra por seu contrário) com temperamentos interpretativos de registros próximos, mas de intensidades diversas. Mariana Lima, mais tensa e tateando a imponderabilidade das palavras, se coloca no plano da contracena. Já Drica Moraes, intensifica essa imponderabilidade com extrema acuidade, dosando o humor com  domínio da dubiedade com que a personagem fala de si, e a representa. Uma refinada atuação.    

Crítica/ JT – Um Conto de Fadas Punk
Atitudes encenadas por tipos fotográficos

A jovem Savannah se reinventa como JT Leroy, autor de livros de sucesso que contam sua infância e adolescência, mergulhadas em abusos, drogas e prostituição. Numa escala midiática, em que se abstraem realidades em função de imagens, Savannah, aliás JT, agora é andrógina, masculina, loura, esquisita, transformando-se em celebridade mundial. Próxima de seus pares na fama (Madonna, Bono Vox, Gus van Sant), é um boneco criado por sua cunhada, quem, verdadeiramente, escreveu os livros, moldou, vestiu e ensaiou a impostura. Este conto de fadas punk, subtítulo enganoso, em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, aparentemente, é uma tentativa de criticar o mundo das celebridades, mentiroso de origem, e indissociável da cultura da diversão dos nossos dias. A autora Luciana Pessanha demonstra ser esta sua intenção, mas que no palco não sobrevive aos limites restritos da técnica claudicante e do alcance raso do vôo do texto. O que se queria abarcar, se confunde com a própria matéria da narrativa. As cenas descosturadas, substituídas pelo som de uma banda e pelas figuras (nenhuma delas, realmente, punk) a la mode, não têm materialidade cênica, senão aquela que se mostra como atitude. Não se consegue dar substância ao comportamento dos personagens, que se parecem com tipos recortados de revista de variedades ou de fotografias de um certo modo de se vestir, falar e se exibir. Susana Ribeiro encena essa imagem fotográfica, sem maiores interferências e fôlego para valorizar as restritos qualidades disponíveis. Débora Duboc, por demais composta; Natália Lage, inexpressiva; Hossen Minussi, Nina Morena e Roberto Souza em atuações rotineiras, formam o elenco desta montagem de ambições maiores do que suas reduzidas possibilidades.    

                                                        macksenr@gmail.com