domingo, 18 de setembro de 2011

Festivais

Tempo

Melancolia Culpada

Conflitos, sem ilusão, de sentimentos desalinhados 
Durante os últimos seis dias, a cena carioca assistiu ao festival Tempo como registro de programação modesta em seu volume, mas instigante na abrangência das tendências que aponta. Nesta segunda edição, confirmam-se características de curadoria a que não escapam vertentes múltiplas, ainda que nem todas se concretizem em espetáculos sintonizados com suas promessas. A participação do teatro argentino configura escolha bem definida  na grade, enquanto a subida até ao Morro do Adeus demonstra  expansão na linha interveniente do artístico no espaço urbano. Com a montagem brasileira de Luís Antonio – Gabriela, direção do paulista Nelson Baskerville, o Tempo encerrou a versão 2011, reafirmando-se como festival que aposta num teatro em progresso, em estado de suspensão e sem dogmas e certezas, refletindo dúvidas e reavaliando alternativas. Mas o documento cênico de Baskerville não seguiu as propostas vistas nos dias anteriores, deixando na mostra resquícios de melancolia complacente. O nome e codinome do titulo se referem ao irmão do argumentista e diretor, que se desenha, em paralelo, aos conflitos da família, e cujo fim, como travesti na Espanha, conclui a difícil convivência e a rejeição mútua entre o filho e o clã. O percurso do menino, que se insinuava feminino desde a primeira infância, ganha contornos de personagem coadjuvante diante do tom confessional e biográfico que o mano adota. O caráter “verdadeiro” e “corajoso” assume papel preponderante em narrativa que, por frágil, se reveste como elemento constitutivo da própria encenação, com o autor ensaiando suas hesitações na escrita e mencionando a necessidade de integrar o texto ao processo colaborativo do espetáculo. Para embalar o convencionalismo da dramaturgia e os clichês, e até alguma pieguice, costura-se visual que sugere uma instalação plástica, mas com tantos adereços (imagens projetadas, luz fria, circulação de textos) que desfazem suas potencialidades dramáticas. Para Nelson Baskerville deve ter sido penoso este mergulho num passado  conturbado, repleto de afetos desalinhados, mas a transcrição desses conflitos e sentimentos ficou prejudicada pelo seu desejo de expurgar a culpa. É o próprio Nelson que reproduz o pedido de Gabriela, no último contato com a irmã de ambos, num português arrevesado, quando diz: “faz-me ilusão”. Em Luiz Antonio Gabriela faltou, exatamente, ilusão.

                                                                  macksenr@gmail.com