quarta-feira, 28 de setembro de 2011

36ª Semana da Temporada 2011


Musicais Cantam a Cultura Carioca

Crítica/ Na Rotina dos Bares
Boemia  passadista em rotineiro jogo de cena
A pretensão de Na Rotina dos Bares, em cena no Teatro Sesc-Ginástico pelo menos aquela expressa no subtítulo, é de ser “um musical sobre a história da boemia carioca”. Para contá-la, o autor Marcos França recorreu a seleção de músicas populares ligadas ao tema, estabelecendo pequena trama com personagem que viveu os diversos momentos da vida noturna carioca. A seleção musical ilustra as fases da noite carioca, e os quase esquetes que introduzem as músicas buscam justificar as vivências do boêmio longevo e inveterado. Passadista, a montagem, que é assinada por Ana Paula Abreu, que se define como diretora artística, fica distante do espírito, que se imagina retratar com a música. Fala-se de um Rio mais ameno, da malandragem e das noitadas, do avanço do tempo como impulsionador da destruição urbana. Para tanto, toma-se como símbolo a demolição do restaurante Lamas, no sobrado em que foi fundado no Largo do Machado, para decretar o fim da boemia na cidade. Ou ao menos, de determinado tipo de boemia. Essa exposição saudosista, em que o espírito de cada época, ou as vivências numa cidade idealizada não estão concretizadas no palco, não esconde o frágil arcabouço cênico. Mesmo não possuindo voz para o canto – os demais atores (Marcos França, Édio Nunes, Letícia Medella e Sheila Mattos) percorrem com boas vozes o repertório de 25 músicas –, Antônio Pedro Borges compensa essa limitação, com jogo de cena, improviso e humor.  


Crítica/ Zé Keti: Eu Sou o Samba
Biografia engessada de um repertório
Os musicais biográficos se transformaram em fórmula, engessados numa mesma e repetida embalagem, para contar a história pessoal e profissional de compositores e cantores, intercalada por canções de seus repertórios, e que se inicia pela morte para descrever, cronologicamente, a vida. Muito já se utilizou deste recurso, até banalizá-lo como um protocolo a ser seguido sem qualquer criatividade e alguma, ainda que tímida, tentativa de renovação. É o que acontece com o roteiro de Maria Helena Kühner para Zé Keti : Eu Sou o Samba, em cartaz no Teatro R. Magalhães Jr. da Academia Brasileira de Letras. A autora teve o seu texto original condensado para servir como roteiro para a introdução das músicas, e é esta versão que é dada a assistir. Há uma pesquisa visível sobre Zé Keti, mas que não consegue ser diluída e ganhar formato dramático que alcance autonomia expressiva. Os dados se sucedem como preâmbulos e sugestões para que se cante, sem que nos intervalos se corporifique mais do que a roteirização das informações. O diretor Sérgio Fonta administra cenicamente essa sucessão musical, com a mesma modesta contribuição do texto, e sem invenção ou desvio do sequencial rol de músicas. A direção musical de Josimar Monteiro é o que o espetáculo tem de melhor. Os atores se distribuem entre a maior capacidade de cantar, como é o caso de Sanny Alves, e a dificuldade de interpretar o repertório musical de Zé Kéti, como  Sérgio Menezes. Rodrigo Candelot se reveste de improvisado narrador.  


Musicais em Cenas Curtas

A Aurora da Minha Vida, peça de Naum Alves de Souza, escrita em 1981, se transformou em Um Musical Brasileiro , estreando dia 13 de outubro no Teatro Sesc Ginástico. O texto e a encenação, assinadas por Naum também na versão musicada, retoma as partituras de Marcos Leite, finalizadas por  Roberto Gnatalli, depois da morte do compositor na década de 90. As letras inéditas são de Naum, e oito atores estão em cena, entre eles, Ana Velloso, Vera Novello, André Dias, José Mauro Brant e Thelmo Fernandes.

Charles Möeller e Claudio Botelho, que recém enceraram a  carreira exitosa de Um Violinista no Telhado, no Rio, e acabam de estrear, em São Paulo, As Bruxas de Eastwick, já anunciam, para novembro, no Teatro Fashion Mall, mais um musical: Judy, biografia da cantora e atriz Judy Garland. E no dia 13 de outubro reestréia um dos maiores sucessos da dupla, Beatles Num Céu de Diamantes, no Teatro Clara Nunes, com o elenco original da bem sucedida montagem, já assistida por 200 mil espectadores, desde sua estréia em 2008, na Arena do Espaço Sesc.

Atualmente em cartaz nos teatros cariocas, cinco musicais, todos com libreto e músicas brasileiros, disputam a preferência do público, depois de muitos anos de preconceito, o que transforma Rio e São Paulo juntos, no terceiro mercado para o gênero, depois de Nova Iorque e Londres. Podem ser vistos na cidade, além de Na Rotina dos Bares e Zé Ketti: Eu Sou o Samba, Tim Mais – Vale Tudo, O Musical, agora no Oi Casa Grande; Emilinha e Marlene – As Rainhas do Rádio, no Teatro Maison de France e a opereta Flôr Tapuya no Teatro Carlos Gomes.

Com direção de José Possi Neto, que acaba de  encenar New York, New York, musical que encerrou temporada em São Paulo no mês passado, estréia dia 27 de outubro, no Teatro Procópio Ferreira, Cabaret, de Bob Fosse, com Claudia Raia no elenco. E continuam em cena na capital paulista Mamma Mia! e as produções importadas do Rio, Hedwig e o Centímetro Enfurecido, musical pop, adaptado e dirigido por Evandro Mesquita, e o clássico Hair. Para o próximo ano, estão previstas as montagens de O Mágico de Oz, A Família Addams e Priscila, A Rainha do Deserto.  

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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Festivais


Porto Alegre em Cena

Uma Mostra de Fôlego 

Mímico da interminável pantomima da existência
Mais do que um festival de teatro de longa duração – são 18 edições e quase um mês de apresentações a cada ano – o Porto Alegre em Cena tem em seu acervo de programação, o cadastro de montagens dos nomes internacionais mais fulgurantes do século passado. Já estiveram em palcos da capital gaúcha, a fundamental Pina Bausch, o vigoroso lituano Eimuntas      Nekrosius, os grupos La Fura Del Baus, Volksbüne Theater e El Periférico de Objetos, os encenadores Robert Lepage, os argentinos Rafael Snegelburd e Daniel Veronese, além de ser responsável pela vinda pela primeira vez ao Brasil do Thêàtre du Soleil (2007). Neste ano, tanto Peter Brook, com a A Flauta Mágica, pela quarta vez, e Bob Wilson, com A Última Gravação de Krapp, pela terceira vez, voltam a Porto Alegre com suas montagens mais recentes. A qualidade que o Poa em Cena atingiu em quase 20 anos, permite que tenha autoridade para convidar grandes nomes que aceitam participar da mostra, e apenas dela, sem nenhuma extensão no país e no continente, como agora com a vinda de Bob Wilson.
Nesta volta,  Bob Wilson retoma Samuel Beckett – ano passado trouxe Dias Felizes. É um Wilson, fisicamente pesado, com aparência que registra marcas do tempo, e que parece encontrar na sucessão de espetáculos beckettianos, razões em si mesmo que justifiquem tal insistência. E se lembrarmos que este Krapp é interpretado pelo próprio diretor, a duplicidade de funções avizinha o velho personagem do homem de 70 anos.  Há sempre algo de devastador e pessoal nos textos de Samuel Beckett, mesmo quando os sentimentos e as lembranças invadem a contínua exploração da palavra como reafirmação de que já não há mais nada a dizer. Até mesmo quando o humor se infiltra por esses despojos, um pouco antes ou logo depois de fins, Beckett não abandona a zona de sombras de vidas que ficaram no passado e sempre foram vividas com a consciência das fintudes e da inescapável incapacidade de transpor a certeza de permanentes impossibilidades. Não há na dramaturgia beckettiana áreas de escape, o mergulho  é em direção ao escuro, à exumação de existências perdidas à partida, de volta a um ponto inicial que não tem chegada. Existir só é possível na contínua repetição do ato de viver, as vozes ou o silêncio prolongam o que já se deixou de escutar e a projeção da fala ou da mudez se transforma em pantomima indefinida. É a partir desta pantomina que Bob Wilson lança silêncios e ruídos à assepsia de sua arquitetura cênica fria e de traços secos. Como um Marcel Marceau pós-dramático, o ator-diretor de rosto pintado de branco, luvas cirúrgicas e movimentos e máscara expandidos, se transigura de mímico niilista, de funâmbulo de imagens derrisórias e de emoções incertas. Bob Wilson não será o melhor ator do mundo, mas sua encenação é fiel à estética teatral em que o intérprete é a marionete-pertormer da interminável pantomina da existência
É quase praxe em festivais de teatro internacionais, a presença de algum espetáculo exótico, que traga a curiosidade de qualquer etnia cultural. Nesta edição, o Poa em Cena elegeu como sua cota, a versão de Medéia na direção de um francês, com atores de Burkina Faso. A tragédia de Eurípides ganha ecos de cânticos e artesanato tribal, com coro formando por mulheres que entoam, em imemoriais sons, o caminho da vingança de Medéia. A intervenção do diretor sobre o elenco de um país de colonização francesa, se ativa no paralelismo entre a poética da palavra clássica e a força verbal de uma língua desconhecida que se corporifica, dramaticamente, em sons ritualísticos e nenhum folclorismo. O peso das palavras ancestrais e a ressonância trágica de vozes misteriosas, reforçam a imortalidade de tribos gregas ou africanas, a totalidade do nada.  A atriz de Medéia se apropria da palavra com segurança e o coro evolui em crescente tensão. Antes de ser um exotismo exibicionista, a Medéia de Burkina Faso é tão reveladora quanto as potencialidades de teatralidade africana.    
Na trilha dos festivais nacionais, que nos têm apresentado o novo teatro argentino, Dolor Exquisito ganha passaporte para se integrar à corrente de investigação na qual se diversifica a cena do país vizinho. Esse exemplar, talvez não seja o mais expressivo de quaisquer das tendências já vistas, mas é uma proposta interessante. O texto da francesa Sophie Calle é, no mínimo, engenhoso no tratamento da narrativa, ao descrever 90 razões pelas quais a personagem contabiliza uma dor de amor, e outras tantas pelas quais se desprende dela. A atriz oscila através da evolução e involução dos sentimentos de dolorida ascensão ao libertário descenso. A direção de Emílio Garcia Webbi, responsável pelo prestigiado grupo argentino El Periférico de Objetos, segue adaptação um tanto sobrecarregada de atalhos, que resulta dispersa. Com alguns bons momentos, Dolor Exquisito  conta com Maricel Alvarez, atriz dotada de recursos, que trilha as emoções da personagem com fina e caricata ironia. Espetáculo com grife modernosa, carece, no entanto, de ambicionar um pouco mais do que embalagem cuidada de crônica de uma dor de cotovelo.         
O panorama do teatro brasileiro está sendo traçado, desde a primeira edição, em 1994 do festival, com a exibição do que a cena nacional produz. Este ano, uma vez mais, aponta para vertentes instigantes do teatro atual. E um dos exemplares desta visão curatorial é o grupo gaúcho Oi Nóis Aqui Traveiz, que apresentou Viúvas, criação coletiva que se cercou de ambientação bastante peculiar. Com o subtítulo de “performance sobre a ausência”, o coletivo utiliza texto do chileno Ariel Dorfman que trata sobre questões relacionadas às ditaduras latino-americanas da segunda metade do século passado. A encenação se inicia com o transporte até um cais, onde se embarca em pequena traineira até a uma ilha abandonada, que guarda as ruínas de um presídio. Esse translado e o cenário natural condicionam o espetáculo, buscando envolvência que, desconfia-se, o texto por si só não sustentaria em montagem mais convencional. Esse arcabouço procura ampliar a dimensão da dramaturgia, mas não camufla o seu envelhecimento. Numa proposta muita próxima dos primeiros espetáculos do grupo A Vertigem, o Nóis constrói roteiro em meio aos despojos arquitetônicos de prédios que tiveram funções bem definidas no passado, para encorpá-los com dramática que lhe emprestaria significado retirado de sua origem. Algumas cenas até adquirem impacto visual, aproveitando-se do entorno oferecido pelo rio Guaíba e reforçado pela beleza de um pátio arruinado com o mato invadindo os espaços abandonados, e pela contundência das antigas celas, carregadas de memórias. Com toda essa moldura, e pela  dramaticidade enfática, a essência da cena se perde no maniqueísmo do texto  e na indefinida e  extemporânea  agit-prop  da encenação.       
A inclusão de Os Credores, do sueco August Strindberg, do grupo Tapa na grade de programação, ratifica por parte da curadoria a pluralidade de suas escolhas. Mantendo a linha de encenar textos, em que a palavra é a força maior da cena e sua valorização como elemento dramático, Eduardo Tolentino é coerente com sua trajetória de encenador. Em mais uma investida em texto difícil, do século XIX, o diretor enfrenta o desafio de equiparar os tempos narrativos das convenções de dramaturgia histórica aos códigos da linguagem contemporânea. Em Os Credores, Tolentino explora o jogo de relações de um trio, em que a construção de uma vingança, desestabiliza cada um dos seus integrantes. A dissimulação das regras, deixa à mostra crise existencial das peças do quebra-cabeças que não se encaixam. Com diálogos exploratórios dessa desintegração emocional, Strindberg é impiedoso com a mulher, eixo que desequilibra e incapacita emocionalmente  homens, fracos. Encenação rigorosa, que persegue o detalhe, a minúcia e a imagem precisa (a escultura de gelo é de primorosa resignificação simbólica), tem nos três atores a expressão viva desses cuidados do diretor. Para os intérpretes, Os Credores é um exercício estilístico, talvez mais ajustado a atores com domínio técnico e menos emocionais. Ainda assim, José Roberto Jardim incorpora com sensibilidade a fraqueza e a hesitação do marido afetivamente imobilizado. Sandra Corveloni transita entre a atração e repulsa que a personagem experimenta em si e provoca nos outros. Apenas Sergio Mastropasqua, em que pese voz poderosa e autoritariamente adequada ao personagem, pelo menos nas intervenções iniciais, não projeta a complexidade dos seus ardis, banalizando seu alcance.   
      
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terça-feira, 20 de setembro de 2011

35ª Semana da Temporada de 2011


Crítica/ Abalou Bangu 2 – A Festa
Nova versão que oferece mais do mesmo 
Há oito anos, Flávio Marinho estreava Abalou Bangu, e a montagem dirigida pelo autor cumpriu carreira de anos em cartaz, com Cristina Pereira e André Valli no elenco. As boas bilheterias animaram Flávio a escrever e dirigir a continuação, que pode ser vista no Teatro dos Quatro. Lá está o mesmo casal que deixou o subúrbio para se instalar em Copacabana, e que agora promove festa de comemoração do aniversário de bodas. Repete-se ainda, a estrutura narrativa de tintas carregadas para contrastar com as cores fortes de personagens caricatos. Insiste-se na trama simples, recheada de piadas sobre temas correntes, e na superficialidade do humor. Nesta reescrita, o arcabouço da história anterior é seguido à risca, com as velhas gags (do latido do cachorro à música alta dos vizinhos), os efeitos (a entrada da atriz com a roupa de festa), a semellhança cenográfica e o tratamento ácido-sentimental dos tipos que perambulam por preconceituosa geografia urbana. A direção mantém a linha do espetáculo do passado, fazendo lembrar soluções vistas na montagem de 2003. A diferença está na participação dos vizinhos (Cláudio Galvan e Luciano Borges em atuações maneirosas) e de Paulo Goulart, que como o marido busca a comicidade em máscara  algo careteira. Cristina Pereira reafirma sua linha de comediante. O autor oferece às platéias que aplaudiram a primeira versão, mais do mesmo, o que pode garantir-lhe o mesmo êxito de bilheteria.  


Crítica/ Nem Um Dia Se Passa Sem Notícias Suas

Daniela Pereira de Carvalho, autora deste texto em cartaz no Teatro do Leblon, tem produção volumosa e o mérito de ter quase toda a dramaturgia encenada. Circulando por questões geracionais, nesta nova investida Daniela relaciona hereditariedades e existências vistas através das lembranças e dimensionadas pela passagem do tempo. Um homem que se desfaz da casa paterna, com todas as suas recordações, inclusive as do irmão no passado, e do filho no presente, cria com a ascendência e a descendência, contrapontos da continuidade da vida. Bem armada, com diálogos fluentes, a peça, no entanto, não sai do plano do bem-feito, do correto. Em nenhum momento, a ambientação evocativa que se insinua, mas não se estabelece, supera a falta de vigor que faz com que essa pequena vinheta dramática alcance a platéia, provocando alguma reação menos próxima da indiferença. A direção de Gilberto Gawronski corresponde à extensão limitada do texto, resolvendo cenicamente a trama, mas não avançando muito além. A cenografia, assinada pelo diretor, é tristemente simples com detalhes pouco inspirados, como os CDs dispostos como móbiles. O figurino de Nelo Marrese veste com exagero os atores. Edson Celulari se mostra linear e sem nuanças numa interpretação que o afasta de qualquer possibilidade de dar cor e vida a personagem apagado. Pedro Garcia Netto cai no oposto. Busca uma vivacidade que nem sempre se ajusta a seu companheiro de palco.   
  

Cenas Curtas

Panorama Visto de Minas

Belo Horizonte – A capital mineira se define, culturalmente, como a cidade dos festivais. Seja em qualquer das manifestações artísticas, BH abriga mensalmente alguma mostra que reúne artes cênicas, cinema, música, mídias digitais, artes plásticas, e outras expressões criativas. Atualmente, a cidade abriga o 5° Festival de Arte Digital e o 1, 2 na Dança, a oitava edição de mostra internacional de solos e duos. Esse festival minimalista, que reúne bailarinos de vários pontos do Brasil e alguns internacionais, desta vez, procurou, sem muito êxito, aproximar a dança da performance e de alguma teatralidade. Valeu a tentativa, pelo menos na primeira semana da mostra, que prossegue até 25 de setembro. Com três solos ou duos por noite, de sexta a domingo, o 1, 2 na Dança se frustrou com  a apresentação dos bailarinos-performers da Suíça e do Canadá, que sem sustentar os movimentos com o drama, reduzem a coreografia ao exibicionismo  arbitrário. Entre os nacionais, a participação de Jamil Cardoso em Bambi, atribui conotação, pretensamente irônica e crítica, a maneirismos gestuais. Estudos Para Dona Rita, performance da goiana Érica Bianco é que melhor realiza e integra movimentos da estética hip-hop e referências à dramaticidade de Pina Bausch a uma narrativa coreográfica com algum vigor.
Enquanto as mostras teatrais aguardam o próximo ano para se oferecer ao público de Belo Horizonte – estão previstas Verão Arte Contemporânea 5, Encontro Mundial das Artes Cênicas, Festival Internacional de Teatro de B.H – os palcos estavam ocupados, até a última semana, com produções locais. A Cia. Luna Lunera, comemorando os 10 anos de fundação, apresentava o seu maior sucesso, já visto pelo público carioca: Aqueles Dois, a inspirada adaptação cênica de novela do gaúcho Caio Fernando Abreu. O mineiro Murilo Rubião é o autor das três histórias que compõem Amor e Outros Estanhos Rumores, que tem no elenco Débora Falabella, Mauricio de Barros, Priscila Jorge e Rodolfo Vaz. Essa produção paulista é dirigida pela mineira Yara de Novaes, a mesma que assina a produção mais recente do Grupo Galpão, Tio Vânia. A montagem, que também foi vista no Rio mês passado, aporta esta semana em Roma, onde faz apresentação no Teatro Vascelo. Parte do elenco do Galpão participa, nas próximas duas semanas, em Berlim, de contato com o diretor russo Jurij Alschitz, que chega a Minas em outubro para ensaiar o grupo em nova montagem, também baseada em Tchecov, o mesmo autor de Tio Vânia, e com estréia prevista para novembro. O Galpão se internacionaliza, rompendo os limites das montanhas mineiras.


O Soleil Finalmente no Rio

Depois de várias tentativas frustradas, e da retirada do Rio da turnê do Thêàtre du Soleil na temporada brasileira de há quatro anos – esteve apenas em Porto Alegre e São Paulo com Les Ephémères  – enfim, a cidade receberá a trupe de Ariane Mnouchkine de 8 a 19 de novembro no HSBC Arena com a sua montagem mais recente: Les Naufragès du Fol Espoir . Iesa Rodrigues assistiu a Os Náufragos da Louca Esperança, na sede da companhia, a Cartoucherie, em Paris, em março de 2010, mês da estréia. O seu depoimento:
Assistir a um espetáculo do Soleil vai além de comprar ingresso e sentar inerte na plateia da Cartoucherie. Para chegar lá, pega-se o metrô e um ônibus que pode ser abordado por policiais querendo cobrar uma multa fictícia dos passageiros. Ainda é dia, e é servido um jantar no salão de espera, aparentemente em esquema caótico. Surpreendentemente, os pratos chegam às mesas comunitárias, sem erro. Quando a sala abre, revela-se uma arquibancada em frente ao palco. Se estiver frio, as primeiras filas ganham uma mantinha distribuída pela própria Arianne, que ao mesmo tempo se justifica, dizendo que aquelas filas ficam na direção do vento que entra pela porta.
Estes preâmbulos acabam quando a peça começa. A Naufragès du Fol Espoir é uma aventura de cinema, um filme mudo rodado no sótão de um restaurante sempre lotado. As cenas são gravadas nos intervalos possíveis do trabalho dos garçons e cozinheiras – eles desaparecem por uma abertura no chão, quando voltam ao trabalho, e ouve-se o barulho dos clientes. A louca esperança é conseguir terminar o filme, com todos os truques de cenário e figurinos perfeitos. As personagens vestem um estilo navy do início do século 20, quase todo em azuis, pretos e brancos, complementado pelos aventais da vida real. Só isso, em dois longos atos fascinantes, com a iluminação que imita uma gigantesca claraboia e dá a ilusão de luz do dia. Mais as legendas em painéis pretos, como nos espetáculos de ópera. 
Acaba a Naufragès, a plateia sai para a noite devagar, sem a tradicional corrida para o último metrô. Ninguém sabe ao certo onde fica o ônibus, grupos meio desnorteados andam de um lado para o outro na avenida. Até que uma motorista de um ônibus que seguia para a garagem se condoeu e decidiu dar carona até a estação de metrô. É uma aventura, mais do que uma simples ida ao teatro, que deixa poucas lembranças. Mas o Soleil deslumbra como uma experiência quase infantil de assistir a uma história bem contada.”

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domingo, 18 de setembro de 2011

Festivais

Tempo

Melancolia Culpada

Conflitos, sem ilusão, de sentimentos desalinhados 
Durante os últimos seis dias, a cena carioca assistiu ao festival Tempo como registro de programação modesta em seu volume, mas instigante na abrangência das tendências que aponta. Nesta segunda edição, confirmam-se características de curadoria a que não escapam vertentes múltiplas, ainda que nem todas se concretizem em espetáculos sintonizados com suas promessas. A participação do teatro argentino configura escolha bem definida  na grade, enquanto a subida até ao Morro do Adeus demonstra  expansão na linha interveniente do artístico no espaço urbano. Com a montagem brasileira de Luís Antonio – Gabriela, direção do paulista Nelson Baskerville, o Tempo encerrou a versão 2011, reafirmando-se como festival que aposta num teatro em progresso, em estado de suspensão e sem dogmas e certezas, refletindo dúvidas e reavaliando alternativas. Mas o documento cênico de Baskerville não seguiu as propostas vistas nos dias anteriores, deixando na mostra resquícios de melancolia complacente. O nome e codinome do titulo se referem ao irmão do argumentista e diretor, que se desenha, em paralelo, aos conflitos da família, e cujo fim, como travesti na Espanha, conclui a difícil convivência e a rejeição mútua entre o filho e o clã. O percurso do menino, que se insinuava feminino desde a primeira infância, ganha contornos de personagem coadjuvante diante do tom confessional e biográfico que o mano adota. O caráter “verdadeiro” e “corajoso” assume papel preponderante em narrativa que, por frágil, se reveste como elemento constitutivo da própria encenação, com o autor ensaiando suas hesitações na escrita e mencionando a necessidade de integrar o texto ao processo colaborativo do espetáculo. Para embalar o convencionalismo da dramaturgia e os clichês, e até alguma pieguice, costura-se visual que sugere uma instalação plástica, mas com tantos adereços (imagens projetadas, luz fria, circulação de textos) que desfazem suas potencialidades dramáticas. Para Nelson Baskerville deve ter sido penoso este mergulho num passado  conturbado, repleto de afetos desalinhados, mas a transcrição desses conflitos e sentimentos ficou prejudicada pelo seu desejo de expurgar a culpa. É o próprio Nelson que reproduz o pedido de Gabriela, no último contato com a irmã de ambos, num português arrevesado, quando diz: “faz-me ilusão”. Em Luiz Antonio Gabriela faltou, exatamente, ilusão.

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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Festivais

Tempo
Depoimentos e Inquietações
Palavras de um crítico sobre afeto reflexivo
Num festival como Tempo, no qual a diversidade não é apenas um conceito, mas prática seletiva, a presença de várias linguagens permite que se sobrevoe as artes cênicas em múltiplas rasantes. Às vezes, esses vôos ficam a pouca altura do solo, atingido mediana velocidade de cruzeiro. Mais do que avaliar as “aproximações teatrais” de Três Tempos Sobre o Tempo”, que sob supervisão de Daniela Fortes reune Ana Abbot, Átila Calache e João Rodrigo Ostrower, se  destaca a tentativa de manipular linguagens, através de imagens, música e atuação. O trio do elenco, circunstancialmente investido de atores-performers, encena movimentos temporais, interpretados como fluxos e percepções. O tempo, para além da oportunidade de usar o título da mostra como pretexto, ora é visto como deslocamento, ora como geografia de sonoridade musical, e também como imagem de atuação. Em cada um desses “procedimentos cênicos” se intenta atribuir sentido performático ao tempo, o que se revela um tanto ingênuo e superficial. Reduz-se a “depoimentos” sem inquietações. O Que Você Gostaria Que Ficasse deixa, igualmente, a impressão de que se está diante de depoimentos, com relativa inquietação, de geração de atores ainda em estágio de desenvolvimento artístico e etário. Concepção e direção de Miguel Thiré, a montagem do Brecha Coletivo procura mapear vontades e preferências que se manifestam em espaço aberto para que, tanto atores quanto público, depositem tais desejos. Em introdução, que se refere ao desaparecimento completo do humano, é proposto que se deixe algo para ficar para a eternidade. Entre as doações, de objetos e sentimentos, é criada história de uma mulher, do parto à sepultura. Na busca da celebração à criação cênica e ao improviso, perde-se a medida dos meios. Longo e excessivo, O Que Você Gostaria Que Ficasse  não chega a ser um retrato de geração, somente flash de um coletivo teatral que expõe o prazer de estar no palco. A Lei do Caminhante, ao contrário dos espetáculos anteriores, adensa o depoimento e a inquietação. O crítico de cinema francês Serge Daney, editor-chefe do Cachiers de Cinema, pouco antes de morrer, aos 48 anos, em 1992, foi entrevistado pelo revolucionário de 68 Régis Debray. A entrevista é a personagem desta montagem idealizada pelo ator Nicolas Bouchard, que amplia a voz do crítico lúcido e o pensamento do homem, intensamente envolvido pelas fronteiras das imagens de seu tempo. Pela via das telas, Daney se insere e justifica sua existência no mundo, desde a infância, quando ao descobrir os atlas geográficos, começa a se localizar, de fazer parte, descobrindo e demarcando limites. O cinema, em especial o americano e o western Rio Bravo, balizam essa localização. Na salada de imagens que nos assalta continuamente, na era de mídias explodidas, Daney desnuda a televisão pelo imediatismo de suas exibições e pelo assassinato da imagem em favor do visual. Como bom intelectual parisiense, Daney é caudaloso nas palavras, vibrante nas citações e “literário” na construção verbal, fulgurante pensador que fala de uma paixão (ao cinema) com calorosa inteligência e reflexivo afeto. Nicholas Bouchard não interpreta o crítico, mas aquilo que ele tão generosamente diz de si nesta entrevista brilhante.
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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Festivais


Tempo

Mostra Multiuso do Rio

Destreza em exercitar códigos e convenções
O mais jovem e arejado festival de artes cênicas do país, não se restringe às manifestações de palco. Abrindo as portas das salas de espetáculos, vai em busca de espaços livres, urbanos, sociais, de zonas improváveis como expressões artísticas para explorar linguagens, propor intersecções de vozes, deixando entrar outros ares e conexões. Desde a primeira edição - esta, que termina no domingo, é a segunda -, que a idéia de permanente co-participação de  tendências, algumas até excludentes, é explorada nos limites dos contrastes. Há uma evidente restrição orçamentária, que torna curta a duração da mostra, mas ao mesmo tempo, há uma petulância curatorial que permite que tantas variantes e múltiplos processos deságüem em programação enxuta e provocativa. E a seleção não pretende polemizar, pelo menos num sentido rumoroso, mas como forma de sugerir correspondências e ressonâncias. Em 2011, o Tempo estabelece ligações com outras áreas da cidade, na sua linha de intervenção urbana, ocupando o Morro do Adeus com a apresentação da imagística de Gabriel Villela para Ricardo III com Sua Incelença, Ricardo III do grupo Clowns de Shakespeare, do Rio Grande do Norte, com a montagem francesa Padox na Cidade, e com a residência da artista gaúcha Roberta Savian do projeto Migrações Temporárias. Paralelamente à sofisticação artística que sobe o Complexo do Alemão, na zona sul o festival é aberto com duas formas “tradicionais”: a dança da Cia. Provisional Danza da Espanha, com Ni Ogros, Ni Pricesas, e o teatro da Cia. Timbre 4 da Argentina com El Viento en un Violin.
Pelos padrões da seleção do Tempo, a montagem de Cláudio Tolcachir, que assume o titulo poético de O Vento em um Violino, como enunciado de suas ambições, pode ser considerando um espetáculo sem ousadia. Seja como dramaturgia, seja como encenação, esse texto assinado pelo próprio diretor, propõe de início imagem verbal que, apenas parcialmente, se concretiza. Uma atriz entra em cena, e buscando um frente-a-frente com a platéia diz: “tudo que eu vejo, está nos seus olhos”. Essa promessa de condução do olhar do espectador para a cena, fica a meio do caminho. Os conflitos que se criam entre uma mãe histérica e possessiva, um filho frágil emocionalmente, e uma empregada, cuja filha é induzida pela namorada a buscar um homem para que possa gerar um filho, circulam por sentimentos disfuncionais. A direção parece querer deixar tudo no lugar, sem arranhar o que o autor talvez em algum momento, pretendesse que fosse menos ameno. Na envolvência poetizada e em meio a diálogos curtos e rascantes, ressalta o elenco afinado, que é o que melhor que se pode assistir em O Vento em um Violino,  que demonstra, somente, destreza em exercitar códigos e convenções. 

                                                       macksenr@gmail.com  


domingo, 11 de setembro de 2011

34ª Semana da Temporada 2011


Crítica/ Você Precisa Saber de Mim
Em busca da naturalidade narrativa
A história de cada um, própria, particular, única, se acumula através das lembranças, da passagem do tempo, e dos traços deixados pela ascendência. Os que vieram antes, aqueles que chegam, os que ficam pelo caminho, espalham vestígios para aqueles que seguem vivendo. De certo modo, é o que a montagem de Você Precisa Saber de Mim, em cartaz no Galpão do Espaço Tom Jobim, ambiciona percorrer, através da interposição de tempos narrativos e do modo de contar histórias. Referências a árvores genealógicas, cartas e parentes mortos apresentam o que se contará, com alternância de momentos e com ilustrações periféricas que comentam existências banais, corriqueiras, absurdas, como são todas elas. Seis autores (Pedro Brício, Jô Bilac, Rodrigo Nogueira, Vitor Paiva, Henrique Tavares e Emanuel Aragão) se enredam nessa teia de lembranças, não exatamente como construtores de uma dramaturgia, mas como expositores de sensibilidades. O papel de dramaturgo é assumido pelo diretor Jefferson Miranda que construiu o texto como cena, artífice de uma narrativa, adotada como eixo central da montagem. O desenvolvimento das cenas, distribuídas por praticáveis, que se alternam como palcos, física e dramaticamente colocados diante de dezenas de espectadores-testemunhas, é desenhado para que o diretor experimente o naturalismo dos diálogos e a tonalidade “natural” da interpretação do elenco. Ainda que o estilo de atuação procure  se fixar nesta linha, o naturalismo  parece um tanto empostado e artificial. Da mesma maneira que a densidade dramática sofre considerável perda na intensidade interior das cenas. Há um deliberado desprezo pelo adensamento dos quadros, em favor do modo de encenar, prevalecendo um relativo formalismo sobre códigos mais dramáticos. Você Precisa Saber de Mim, no entanto, é um projeto provocante, que confirma a persistência da pesquisa de Jefferson Miranda, além de demonstrar através dos três atores – Giselle Fróes, intensamente integrada ao ritmo da encenação; Alexandre Nero, com boas intervenções; e Luiza Mariani, um tanto elegante demais – as técnicas do diretor de desarmar as convenções da narrativa cênica.      


Festivais

Tempo - Uma das mostras mais instigantes do país, apesar das evidentes limitações orçamentárias - se inicia no dia 13 e se estende até o dia 18 - a Tempo apresenta programação com linha múltipla em estilos, gêneros e linguagens. Para esta segunda fase – a primeira aconteceu há pouco mais de um mês – estão previstas montagens internacionais como a da companhia francesa Houdart & Heuclin, de grupos argentinos como o Timbre4, e da artista multidisciplinar alemã Antonia Baehr. Entre os espetáculos nacionais, destacam-se Luís Antônio-Gabriela, da companhia paulista Mungunzá, dirigida por Nelson Baskerville, e a estréia de Como Cavalgar um Dragão, do grupo carioca Teatro Inominável. Estão anunciadas também apresentações de Sua Incelença, Ricardo III, a versão de Gabriel Villela para a tragédia de Shakespeare, no Complexo do Alemão.

Porto Alegre Em Cena – Festival, que vai até o dia 25 de setembro,  com programação vasta e consistente, chega à 18ª edição com a participação de nomes internacionais de indiscutível prestígio. Além de Arianne Monouchkine, que  volta à capital gaúcha, depois de Les Ephermères, com o seu último trabalho, Les Naufragés du Fol Espoir , também retorna à mostra Robert Wilson, como ator e diretor de A Última Gravação de Krapp, sua versão assepticamente plástica para o texto de Samuel Beckett. Da França e África do Sul se apresenta Médée , adaptação da tragédia de Eurípedes ao som de ritmos e canções tribais africanas. Do Mercosul, pelo menos dois espetáculos prometem: Dolor Exquisito, Argentina, e Neva, do Uruguai.
 
8° Festival Internacional de Buenos Aires - De 24 de setembro a 8 de outubro acontece a mostra bienal de artes cênicas da capital argentina, com Hamlet, direção de Thomas Ostermeier para a poderosa Schaubühne am Lehniner Platz alemã. E ainda O Grande Inquisidor - Fragmentos dos Irmãos Karamazov, de Dostoiévski, leitura dramática arrebatadora do francês Patrice Chéreau. A Flauta Mágica, de Peter Brook, que a plateia carioca acaba de assistir, compõe a lista dos espetáculos internacionais. A grade se completa com mostra paralela com a produção independente da Argentina, reunindo autores e diretores que estão filiados ao novo teatro do país, que já é exportado para o exterior, pelo menos no circuito latino-americano e europeu dos festivais de teatro. E o documentário Pina, de Wim Wenders, em formato 3D, será exibido apenas no dia 26, em estréia sul-americana.


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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Peter Brook no Rio


Crítica/ Uma Flauta Mágica

Evocações étnicas de um alquimista da poética teatral
Por apenas dois dias, hoje (8/9) e amanhã (9/9) no Teatro Dulcina, e de 12 a 16 em São Paulo e de 21 a 23 em Porto Alegre, a transposição de A Flauta Mágica, ópera de Mozart para a gramática cênica de Peter Brook, pode ser vista nesta excursão brasileira. Nada parecerá tão ajustado ao universo teatral do diretor inglês, há décadas instalado em Paris, na sua arquitetônica e belamente detonada sala de espetáculos Les Bouffes de Nord, do que esta versão camerística de obra de gênero tão grandiloquente na exaltação do lirismo. Em sentido inverso, ressaltando a magia e a fantasia pelo despojamento e a economia de meios, Brook reconfirma, aos 86 anos, as suas límpidas linhas de trabalho. Esse imigrante na França, sedimentou suas teorias fundando o centro de experimentação teatral, nos anos 70, reunindo atores de várias etnias, que tanto podem expressar-se na poética de Shakespeare de A Tempestade, como em texto védico de 12 mil páginas, escrito há cinco mil anos, como O Mahabharata. Há na dramaturgia cênica de Brook, permanente “sentimento do maravilhoso”, aquele ponto que liga o homem à natureza, como se fosse um alquimista de imagens que integra culturas. É exatamente o que acontece em Uma Flauta Mágica. Lá está a ópera na sua integridade, ainda que condensada no sentido musical e narrativo, desprovida de adereços interpretativos, construções cenográficas e orquestra (há somente um piano). Cantores atuam com parcimônia, atores participam como coadjuvantes, todos em torno cena despida de dramática operística, mas repleta de sonoridade evocativa. O quadro se estabelece a partir de lembranças de outros espetáculos de Brook. As ripas de bambu, que se transformam em armas, esplendores, confinamentos, matas e subterrâneos, são servidas por iluminação que transporta, assim como os tecidos que encobrem feiúras mentirosas e vilezas rubras, em pura magia. A limpidez de algumas vozes, como a de Julia Bullock (Pamina), das figuras impositivas de William Nadylan e Abdou Ouloguem, e o humor de Virgile Frannais (Papageno) compõem unidade que determina tempo narrativo, não subjacente ao gênero operístico, mas ao cerne do libreto. Como os deuses que convivem com os humanos, e os sentimentos essenciais que inundam a vida, em Mahabharata, também em Uma Flauta Mágica, o imaginário sobrevive, unido pelo mesmo bruxo que, seja em poema védico ou em ópera mozartiana, toca zona tão sensível à artesania teatral. A da criação de poética única.              

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Teatro de Revista


Revista à brasileira nasceu cantando
Não Sou de Briga, produção de Walter Pinto (Teatro Recreio, 1946)
Como tudo no Brasil do século 19, o teatro de revista à brasileira foi importado da França, com escala em Portugal. O que se via nos acanhados palcos de um Rio, capital de país provinciano, era pouco mais do que arremedo de espetáculos musicais de origem francesa, quando não as próprias companhias vindas da Europa para mambembar pelo sul do Equador. Mesmo com essas importações, que se aportuguesavam a cada nova estréia, a revista começou a falar e a cantar com sotaque, senão totalmente local, pelo menos fixada na nossa geografia social e política. E Artur Azevedo foi decisivo na gênese e na aclimatação do gênero, que sobreviveu até à década de 60 do século passado. As revistas de ano, a primeira delas em 1877, à qual se seguiram outras 19, Azevedo registrava, criticamente, os acontecimentos dos últimos 12 meses, de forma satírica e critica e estabelecia as bases do que viria a ser o formato explorado pelos quase 100 anos seguintes. Nesta série de revistas, com títulos saborosos (Rio de Janeiro de 1877, Ataca Felipe, Cocota, O Bilontra, O Carioca, O Tribofe)  que já antecipavam os maliciosos títulos dos anos 50 do século seguinte (É de Xurupito, É Xique Xique no Pixoxó, É Fogo na Jaca, Tira a Mão Daí, Te Futuco...Num Futuco, Banana Não Tem Caroço), o autor demonstrava a capacidade carioca de satirizar-se, e insinuava, com meios populares, desenhar questões como a da nacionalidade da dramaturgia e do espetáculo. As revistas comentavam  os bons e maus costumes, os complexos coloniais e os problemas de afirmação de identidade da vida na época. Os personagens das revistas de Azevedo eram os males que assolavam a sociedade do Brasil, como a política, a fome, a seca, a inundação, o boato, a morte e o médico (consideradas figuras inseparáveis). Além da malandragem, erigida como valor socialmente valorizado, em oposição ao trabalho, e a persistência da ação política como atitude que reverte somente para o bem pessoal. A música, decisiva e integrante indissociável do espetáculo, trazia letras mordazes e composições originais, iniciando a construção do repertório do seria conhecido como a moderna  música popular brasileira. A revista foi o primeiro meio para sua difusão e popularização. Desenham-se com as revistas de ano arturianas, a capacidade cultural brasileira de, apesar do ambiente provinciano e das restrições sociais, ganhar autonomia expressiva, devorando. Antropofagicamente, influências importadas, devolvendo-as mastigadas e recriadas. A música, tanto ou mais que os outros elementos deste gênero de espetáculo iam compondo, brasileiramente, as revistas no final do século XIX, início do XX. Se os números de cortina, o perfil dos cômicos populares, grande parte deles vindo dos circos, a féerie dos quadros e a importação da linha de coristas, mais tarde chamadas de girls, se delineavam como estilo, eram as canções que repercutiam até mesmo nos confins do país. O maxixe, considerada uma dança erótica surgiria em 1897, na revista Zizinha Maxixe, como o Corta-Jaca, de Chiquinha Gonzaga seria lançada nos palcos da Praça Tiradentes. Sempre acompanhada de alguma moda, como o tipo de corte de cabelo feminino, retirado da revista À la Garçonne. Da mesma maneira que as trilhas musicais encorpavam as revistas, outras características se definiam na formatação de um gênero cada vez mais adaptado às nossas vivências sociais.
As vedetes, que até os anos 60, dominariam as ribaltas, como Mara Rubia, Virginia Lane e Renata Fronzi, teve em Margarida Max, em 1931, a sua precursora. Em Brasil Amor,  responsável pelos êxitos de Pé de Anjo, e O Rancho Fundo, de Ary Barroso e Lamartine Babo. As composições escritas especialmente para as revistas, também iriam criar o rico repertório das primeiras décadas do século passado, revelando os grandes nomes dos músicos e letristas que se o inscreveriam na história das nossas canções, marchinhas e sambas. Como Freire Júnior que, em 1924, escreveu Luar do Sertão, e Aracy Cortês  que cantaria sucessos incontestáveis, como Aquarela do Brasil, Boneca de Piche,  Tico-Tico no Fubá e Yes, Nós Temos Bananas, todas ouvidas pelas platéias revisteiras. Antes, no carnaval, depois no rádio, as marchinhas e sambas se estreavam ou se popularizam nos palcos, e isto já em 1930, com Dá Nela, de Ary Barroso, ou em É Batatal, na qual Oscarito, Aracy Cortes e Eva Todor ampliavam o sucesso de No Tabuleiro da Baiana, gravado originalmente por Carmen Miranda. Até Dercy Gonçalves, mais tarde atriz-caricata, se tornaria cantora em dezenas de revistas, carnavalescas ou não. Mas foi Virginia Lane, a Vedete do Brasil, que arrasaria no carnaval de 1952, com a marchinha Sassaricando, saída da revista Eu Quero É Sassaricá, um dos maiores êxitos do empresário Walter Pinto que modificou e tornou luxuosas e ainda mais feéricas as revistas da Praça Tiradentes. Com o fim do Teatro Recreio, em 1963, reduto das produções de Walter Pinto, o teatro de revista parou de cantar e dançar, tornando-se arremedo melancólico daquilo que representou como afirmação de uma linguagem cênica, que importada à princípio, incorporou a cultura local com a espontaneidade do jeitinho e das dificuldades de não saber como fazer. Descobriu-se, empiricamente, produzindo compositores, atores – os populares como Oscarito, Mequitinha e Grande Otelo eram imbatíveis – e vedetes, além de cenógrafos, técnicos e diretores, sem qualquer escola que os pudesse formar. E foram criadores, os melhores de seu tempo

                                             Publicada na Revista da Sbat n° 526

domingo, 4 de setembro de 2011

33ª Semana da Temporada 2011


Crítica/ Na Selva das Cidades

Sentimentos como objeto de disputa interminável
Bertold Brecht, autor de Na Selva das Cidades, em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, para além da sua teoria e práticas cênicas, em que a ação política e a recepção da platéia adquirem sentido intervencionista como concepção própria da sua dramaturgia, há um Brecht anterior à essas conceituações. O autor arranha outras zonas expressivas, por mais que fundamente cada um dos seus passos no palco, com proposições que escondem outros aspectos de sua obra. Na Selva indica uma descrença no homem que aponta na direção de causas que lhe são inerentes e equidistantes das exteriores, afirmando, dúbia e  ironicamente, que “um homem é um homem”. O que pode ser interpretado de maneira bastante larga. Quase niilista, poeta de uma humanidade irremediavelmente decaída (sem qualquer conotação de cunho religioso), Brecht dimensiona o homem em seus mais intrínsecos impulsos (sem qualquer conotação psicológica). Dois homens estabelecem luta, em que cada um investe na destruição do outro, numa sucessão de vilanias, nas quais se ressaltam pulsões que fazem do combate um elemento constitutivo do seu caráter. Destruir o oponente é uma forma de manter o estado de beligerância, não importam os motivos. A hostilidade os caracteriza. A fábula, entre tantas que Brecht escreveu, parecerá reiterativa na sua permanente argumentação e contra-argumentação, nem sempre transcritas com clareza na versão dramática. Mas talvez a melhor pista que o autor ofereça, esteja num dos últimos diálogos, quando Shlink “explica” para Garga as razões de sua atitude belicosa. Será uma justificativa “metafísico-filosófica” para a animalidade humana? Ou tão-somente, demonstração de um jogo de sentimentos perversos? Aderbal Freire- Filho utiliza na encenação recursos que remetem às teorias brechtianas, como caráter expositivo para descrever a ação que se segue. São recursos a instrumentos de percussão, falas em alemão, e canções de outros textos do autor. Numa linha de interpretação que mensura esse distanciamento proposto na introdução das cenas, Aderbal conduz o elenco como personagens que se demonstram, antes de serem “vividos”. Neste sentido, cumprem-se as premissas de estilo de atuação - não ilusória e sem magia – mas que o diretor nutre com as emoções dos personagens. Aderbal manuseia a relativa aridez e o compulsivo derramamento verbal do texto, com modulações que emprestam carga menos rígida às atuações.  Marcelo Olinto projeta com a mesma variante das situações vividas por Garga, a ingenuidade perplexa do homem que chega à cidade e é jogado à ferocidade urbana de luta interminável. Daniel Dantas, em nenhum momento adota postura de um malaio, origem de  Schlink. Interpreta um indivíduo em ebulição, em que o confronto é um comportamento determinante de sua humanidade. Maria Luiza Mendonça adensa os desejos de Maria e o conformismo depois de tantos papéis que lhe foram impostos. Fernanda Boechat, Inez Viana, Joelson Medeiros, Leonardo Netto, Milton Filho e Patrick Pessoa têm intervenções que reforçam o espectro harmônico do elenco.              


Cenas Curtas

Já está no ar  o site nelsonrodrigues.com.br, que marca o início da celebração do centenário do autor de Toda Nudez Será Castigada. Nascido em 1912, em Recife, Nelson Rodrigues deverá ter várias encenações ao longo do ano próximo – agosto é o mês de seu nascimento. Mas as homenagens se anteciparão. Em fevereiro, será tema do enredo da escola de samba Viradouro.

Não Me Diga Adeus, de Juliano Marciano foi o vencedor da Seleção Brasil em Cena 2011, projeto do Centro Cultural Banco do Brasil, que escolhe em concurso de dramaturgia texto que se destaca em leitura dramática. Este ano, concorreram 252 peças, e o vencedor, de São Caetano do Sul, além do prêmio de R$ 5 mil, ganha encenação, com estréia em novembro, no Teatro III, com direção de Gilberto Gawronski.

As editoras estão publicando cada vez mais autores teatrais “clássicos”. Em edição da Companhia das Letras, Oscar Wilde – A importância de Ser Prudente e Outras Peças reúne a dramaturgia do autor. A Tordesilhas lança Assim É Se Lhe Parece, texto basilar de Luigi Pirandello. E a Record, em As Guerras de Shakespeare, de Ron Rosenbaum debate as disputas acadêmicas em torno da obra do autor de Rei Lear.

Já está definida a estréia do musical Judy Garland – O Fim do Arco Íris, dirigido pela incansável dupla Charles Möeller e Claudio Botelho, com a atriz Cláudia Netto no papel da atriz do filme O Mágico de Oz. Será no dia 11 de novembro no Teatro do Fashion Mall.

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