segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Festivais



Cena Contemporânea

O Equilíbrio Delicado de Brasília

A senilidade solitária de guerras perdidas 
O equilíbrio da programação de um festival de teatro é difícil de ser alcançado pelas diversas variáveis que interferem na sua estruturação, Com o Festival Internacional de Teatro de Brasília não é diferente. Pela variedade da oferta e a diversificação dos espetáculos, a mostra segue a fórmula de apresentar tendências múltiplas e linhas de criação até mesmo oponentes. A qualidade está garantida por produções tão instigantes quanto Tercer Grupo, do Timbre 4 da Argentina, Ninguém Falou Que Seria Fácil e Ele Precisa Começar, da carioca Companhia de Foguetes Maravilha, e Vida, da curitibana Companhia Brasileira de Teatro. Mas numa amostragem de três dezenas de montagens, é pouco provável que se atinja o ponto de convergência que sustente a  inventividade e o impacto, que fazem parte dos códigos genéticos das curadorias. Nesta primeira semana do Cena Contemporânea, a desigualdade entre alguns espetáculos deve ser atribuído ao desejo de atender à “diversidade”, o que leva a escolhas, algumas vezes, discutíveis. É o caso de Las Tribulaciones de Virginia, vindo da Espanha, que transformou máquina de efeitos em pretenso teatro poético de bonecos. Numa verdadeira oficina de ferro velho, em que luzinhas se acendem, bonequinhos deslizam sobre fios, mecanismos artesanais abrem janelinhas e acendem coraçõezinhos, conta-se a história ingênua e primária de um desencontro amoroso. O narrador, em tom sussurrante e humor duvidoso, tenta preencher o tempo para que a engrenagem que o envolve seja preparada para o próximo efeito. E tome conversa vazia, dancinha e outras platitudes para alongar a narrativa, movimentar os bonequinhos e acionar a engenhoca. Em quase duas horas, numa ambientação claustrofóbica, a platéia ainda é submetida ao apelo para depor sobre memórias da infância, para tudo terminar com a eclosão de fogos de artifício. Tal pirotecnia deveria ser enquadrado nas regras de segurança dos bombeiros. Também em língua espanhola, Qué Ruído Tan Triste Es El Que Hacen Dos Cuerpos Cuando Se Aman, que veio da Argentina se explica pelo título. São cinco textos curtos – um dos mais interessantes, do espanhol Sanchis Sinisterra – que estabelecem confronto entre duas solidões. As formas, patéticas ou dramáticas, que as relações impõem ao desejo de ter o outro, nunca chegam a bom termo. Nem todas as cenas se sustentam, a melhor delas (Mirar y no Tocar) amplifica, com seu despojamento e nervosidade, o que a concepção geral da montagem pretenderia nos restantes.  Rá! chegou mais perto de encontrar-se como veículo para aquilo que intencionava dizer. Esse monólogo de Fortaleza, passa a limpo a biografia de um diretor teatral cearense, Waldemar Garcia (1902-1985), com o ator Ricardo Guilherme, discípulo deste pioneiro da renovação teatral no Nordeste. O que torna esse quase recital – o ator interpreta diante de um microfone, com a ajuda da leitura do texto – é o registro da passagem.do tempo para os que se dedicam à transitoriedade da criação teatral. Se Waldemar, em algum momento, foi considerado ultrapassado, os seus seguidores também experimentarão igual julgamento. É mais um lance do jogo do tempo na sua inexorabilidade, que se manifesta tão cruelmente na criação artística.
A produção teatral de Brasília também integra a programação da mostra, com alguns exemplares da cena local. O destaque no Cena Contemporânea  está com Heróis, O Caminho do Vento, texto do francês Gerald Sibleyras, que reúne três veteranos de guerra num asilo, que se espicaçam em sua senilidade solitária. Texto bem construído, dentro das convenções poético-realistas, é a oportunidade para atores desenvolverem composições, e para que o diretor os conduza com discreta intervenção. É o que acontece na direção de Guilherme Reis, suavemente linear e com apontamentos de música e pausas para marcar os diálogos, entre o humor e a melancolia. Nas interpretações, João Antônio, William Ferreira e Chico Sant Anna acentuam o humor, quebrando qualquer peso que possa dominar a narrativa. A atmosfera melancólica, no entanto, fica prejudicada.       

                                                            macksenr@gmail.com