quinta-feira, 21 de abril de 2011

16ª Semana da Temporada 2011



Crítica/ Memória da Cana

Ambientação canavieira transforma família mítica em névoa farsesca
Newton Moreno, diretor desta versão de Álbum de Família, de Nelson Rodrigues aclimatada ao Nordeste, procurou exacerbar o que em si não precisa ser expandido. O próprio Nelson, que adorava cunhar frases e provocar com as palavras, classificou seu texto de “desagradável e pestilento”, por saber que em 1949, quando o escreveu, que a família patriarcal, dominada por loucura e paixões incestuosas, necessitava de autodefinição arrebatada para torná-lo mais aceitável. O sucesso, ou o fracasso, de escândalo, que acompanhou a carreira do dramaturgo, não foi maior ou menor nesta peça em que o “mítico” grupo familiar se desnudava no palco. O aspecto subjetivo e trágico, em paralelo à forma melodramática na qual  o autor envolvia suas narrativas, está no substrato da sua dramaturgia, em especial neste Álbum. Não há, portanto, necessidade de ampliar as   manifestações de interioridade conflituada ou os temores dos sentimentos  primários, sob o risco de os revelar pela banalidade do superficial. É, justamente, o que Moreno faz com sua montagem esgarçada, cenografada e interpretada quase como farsa. Sob capa de integrar a família patriarcal ao cenário de fazenda de açúcar do interior pernambucano, o diretor utiliza bem mais do que a prosódia nordestina para situar o núcleo dramático rodriguiano. A cenografia, envolvente, sem dúvida, coerente com a opção do diretor, indiscutivelmente, de estética que reproduz imagens regionais, é evidente, aproxima o espectador da cena, de maneira mais física do que com recursos dramáticos que estabeleça vínculos mais efetivos com a encenação. A pretendida correlação entre o apodrecimento da cana fermentada é de  simbolismo frágil, transposto artificialmente ao quadro, reduzido a um adereço abstrato do cenário. A busca de imagens de universo alheio ao do original, pode ser medido pela bizarra intervenção de figura quase carnavalesca, que ao final, representa a loucura de um personagem. Os atores adotam interpretações que desenham caricaturas, traços carregados de entonações reiterativas, incapazes de criar jogo cênico despido de  intenções de sublinhar o que, já em si, é relevante.      


Exilados à procura de foco no tempo 
Crítica/ Murro em Ponta de Faca

Quando foi escrita, em 1973, e quando estreou, em 1978, o Brasil e o teatro eram outros. Ao estrear no Espaço Sesc, em 2011, a distância histórica e temporal parece bem maior e diversa do que os fatos que o texto de Augusto Boal intenta registrar. Grupo de exilados brasileiros, tangido para o mundo, acossado pela ditadura nacional, que os soltou em outros países, e por ditaduras estrangeiras que os obrigou a vagar por moradas provisórias, relata essas peregrinções em paralelo com as contradições da convivência forçada. Tipificados como de origens diferentes – a fútil, o proletário, o intelectual, a mulher de classe média, a operária -, vivendo a pressão de não encontrarem pouso para a suas frágeis motivações ideológicas e imperiosas necessidades de sobreviver, vagueiam por embaixadas superlotadas e apartamentos de passagem. As saudades da terra que deixaram, curtidas com sucedâneos de ingredientes para moquecas de sabor nostálgico, e cachacinha em doses econômicas, não deixam que se fixem em lugar algum. É desses exilados politicos e emocionais que Boal trata em Murro em Ponta de Faca, que na época, pela ação da censura e pelo clima repressor, funcionava mais como libelo contra as restrição das liberdades, do que propriamente como texto teatral de “durabilidade” para além do momento. As fraturas da narrativa se evidenciem quando são revistas pela perspectiva do tempo. Como os personagens não possuem densidade psicológica, são tipos sociais, representativos de classes diferentes, os sofrimentos do exílio ganham a extensão do protesto e da crítica política. Para aquele período político, o texto refletia indignação e tentava mobilizar. Hoje , é pouco mais do que a fotografia de como atribuir “função” ao teatro nas condições vividas naquelas circunstâncias. A volta à Murro em Ponta de Faca parece um revival para Paulo José, diretor da atual montagem e da versão de há quatro décadas. Sem reproduzir o clima em que a ação se passa, inexiste, igualmente, atmosfera que reproduza, ou ao menos, relembre as angústias do pequeno grupo de banidos. O texto, esquemático na categorização dos tipos e na exposição direta dos quadros (não se constrói, por exemplo com desenvolvimento dramático, o suicídio de uma das personagens), dificulta ainda mais o ajuste à atualidade. O elenco  - Gabriel Gorosito, Laura Haddad, Erica Migon, Sidy Correa, Abílio Ramos, Expedito Di Montebranco e Nena Inoue – transmite desajuste ao “realismo” da cena, o que acentua o descompasso do texto e dos meios de encenação ao país e ao teatro dos dias que correm. 


Cenas Curtas

O ator, diretor, músico, bailarino e performer Felipe Rocha está em temporada no Teatro do Planetário com a instigante montagem de seu texto Ninguém Falou Que Seria Fácil, espetáculo que se transfere em maio para o Espaço Cultural Sérgio Porto. E a partir desta transferência, Felipe e Alex Cassal da companhia fundada pela dupla, a Foguetes Maravilhosas, apresentarão também outros textos do repertório do grupo. Duas Histórias reúne os monólogos Uma História Nefanda, transposição de conto de Sérgio Santana, com Felipe, e Alcubierre, texto e interpretação de Alex Cassal. E volta ao cartaz – estreou há dois anos – Ele Precisa Começar, um ensaio exploratório de Felipe sobre as possibilidades da narrativa cênica. 

A Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba, a mesma que apresentou no ano passado o bem sucedido Vida, sobre a obra de Paulo Leminski, está de volta ao Rio, em maio no Espaço Sesc, com Oxigênio. A partir do texto inédito no Brasil de Ivan Viripaev, o grupo dirigido por Márcio Abreu utiliza a dramaturgia desse autor russo contemporâneo, que segundo o encenador paranaense traz “a musicalidade da palavra e a revisão do teatro como forma de contato com a platéia”.

Adaptação do romance da francesa Lolita Pille, Hell estréia em maio no Teatro dos Quatro. Depois de temporada paulista, a montagem dirigida por Hector Babenco, que também assina a versão teatral com Marco Antônio Braz, chega ao Rio com o mesmo elenco: Bárbara Paz e Ricardo Tozzi. Hell é o nome da mulher bonita e consumista que se apaixona, resultando deste relacionamento um desfecho trágico.

O autor e diretor Caio Andrade, que já assinou alguns textos teatrais com base histórica, volta à mesma linha dramatúrgica em Diários do Paraíso, a partir de 10 de maio na Sala Marília Pêra do Teatro Leblon. O texto é inspirado nos estrangeiros, que na década de 30, vieram para a Amazônia para trabalhar nos seringais da região. Jaime Leibovitch interpreta um americano de 80 anos que, de volta ao seringal e à cidade que viu construir, rememora o que viveu.

A incansável dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho, que encerra a temporada de Hair no próximo mês no Oi Casa Grande, conclui os ensaios, para estréia em junho no mesmo teatro, do musical O Violinista no Telhado, com elenco que tem José Mayer como Tev e Soraia Ravenle como sua mulher. E para agosto, no Teatro Bradesco, em São Paulo, está previsto o início da temporada do também musical As Bruxas de Eastwick, que tem no elenco, entre muitos outros, Fafy Siqueira.


O Que Há (de melhor) Para Ver

As centenárias – Agora em um palco bem mais amplo do que o da estréia há três anos no Teatro Poeira, a dupla de carpideiras, criada por Newton Moreno, vive o embate com a morte na tentativa de driblá-la. As duas se utilizam de artifícios para tentar, com astúcia e  esperteza, se desviarem da inevitabilidade da ameaça onipresente, percorrendo rituais do fantástico sertanejo. Marieta Severo e Andréa Beltrão mergulham no universo nordestino como as carpideiras com movimentação corporal e detalhamento vocal, que se estende da juventude à senilidade. Interpretações inteligentes e comunicativas em encenação que emoldura a cultura popular sem folclorizações. Teatro João Caetano.
  
Hair – A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermont mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.



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