sábado, 2 de abril de 2011

14ª Semana da Temporada 2011


Crítica/ Um Dia Como os Outros
Ao encontro dos clichês da classe média
A narrativa da dupla de autores franceses Agnès Jaoui e Jena-Pierre Bacri reúne uma família, classe média de origem e um modelo de clichês de comportamento, no bistrô para a comemoração de aniversário da esposa de um dos irmãos. Eles são três: o proprietário do restaurante, herdado do pai (não é a toa que se chama Recanto do Papai), um executivo galgando com insegurança a escala de promoções na empresa, e a irmã, trintona, à procura de se ajustar aos padrões do clã. A mãe e o empregado completam o retrato familiar, capturado em sua pose mais comum, a das convenções e de seus códigos de vida. O encontro desencadeia conflitos surdos (a matrona demonstra preferências entre os filhos, mais ou menos veladamente) e explícitos (as explosões verbais nunca erram os alvos), que se disseminam num rasteio de sentimentos sem muitos filtros. O jantar comemorativo se reveste de linguagem que recorre aos chavões do que se diz (ou pensa, mas se omite) nestes rituais entre parentes. São secundárias as muletas que os autores utilizam na construção desta sempre ameaçadora lavagem de roupa suja. As saídas de cena são mal resolvidas, o desenho dos personagens, às vezes, parece escapar aos traços de seu desenvolvimento, e o final é falsamente arranjado. Apesar destas restrições, Um Dia Como os Outros, em cena no Teatro Poeira, funciona como um divertissiment, que provoca o riso pelo “efeito demonstrativo” das atitudes dos personagens nas suas faíscas identificáveis pela platéia. O material propicia encenação que valoriza os atores, desde que o elenco não imponha ao humor do texto, comicidade de resultado. Os diretores Bianca Byington e Leonardo Neto revelam cuidado em equalizar o humor com a expectativa das nossas platéias na recepção de comédias. A montagem se desenrola em trilhos fluentes, com apreciável artesanato cênico e escolha adequada do elenco. O cenário de Lipiani e Lídia Kosovski atende com realista ambientação as exigências das rubricas. Os figurinos de Emília Duncan assinalam o quanto é média a classe da família. A iluminação de Paulo César Medeiros e a tradução sonoramente “fácil” de Ângela Leite Lopes, completam a eficiente ficha técnica. O elenco atua em integrada contracena num equilibrado coletivo interpretativo. Analú Prestes, irretocável, Bianca Byington, bem humorada, Kiko Mascarenhas, na medida, Leandro Castilho e Silvia Buarque, complementares, e Mário Vitor, sutilmente irascível, formam um elenco que vai além de dar o seu recado. Diverte sem apelos, e, efetivamente, faz rir. Um Dia Como os Outros é um bem acabado e honesto espetáculo “comercial”.


Crítica/ Cozinha e Dependências

Os mesmos autores, o mesmo elenco, os mesmos diretores e no mesmo teatro, Cozinha e Dependências alterna com Um Dia Como os Outros, nas quintas e sextas, e pode ser vista em sequência, aos sábados e domingos, duplicando, assim, o universo da classe média em estado alterado. Desta vez, grupo de amigos que não se encontram há dez anos, se reúne em jantar, que já pela alta temperatura de início, está fadado, senão a ser explosivo, pelo menos fracassado. É justamente o que acontece, com alguma ironia e ares melancólicos. As qualidades e eventuais restrições, registradas em Um Dia Como os Outros, se reproduzem, em menor escala, neste texto mais curto e mais tradicional, confirmando as características dramáticas da dupla de autores. Bianca Byngton e Leonardo Netto reconfirmam a dosagem certa no tratamento da comédia e segurança na condução dos atores. O destaque, no entanto, é do coletivo, capaz de emprestar aos personagens  comentários interpretativos eficientes. Márcio Vito, Silvia Buarque, Kiko Mascarenhas, Leandro Castilho e Bianca Byington formam afinado grupo em que cada um tem seu bom momento de solista.
Uma sugestão: como aos sábados e domingos as duas montagens podem ser vistas em sequência, com direito à mudança de cenário à frente da platéia, é possível se divertir com dois “capítulos” de seriado dramatúrgico.     


Crítica/ Linda
Intermitente comédia de um romance
O ator Gillray Coutinho assina o texto de Linda, em cartaz no Espaço Sesc, e a forma como desenvolve a sua “comédia romântica”, demonstra ter somente a pretensão de se fixar nos limites do gênero. Nada de ousadias, muito menos de transgredir o pré-estabelecido. E sob esta base, Gillray descreve o casal que se envolve de modo intermitente, até que a morte os separa. Sem preocupação visível de criar personagens mais definidos, a não ser por atitudes que os tipificam (ela, jovem postulante à atriz, ele, advogado cinquentão). O vai-e-vem do relacionamento acontece sem muitas explicações, já que quaisquer decisões do casal soam inconsequentes. E sob essa tipificação que Gillray intenta brincar com a sua própria imagem e com as dificuldades de fazer teatro. Muito pouco além disso, afinal uma comédia romântica, segundo confirma o autor, precisa, tão-somente, costurar elementos de comédia a toques românticos. E deste modo, o termo é justificado no palco. Os diretores, Gillray Coutinho e Aderbal Freire- Filho, se restringiram ao espaço da terminologia, tentando imprimir dinamismo cênico que não se descobre, sequer potencialmente, no texto. A montagem até alcança alguma agilidade, driblando a repetição monótona da situação-básica, que a solução cenográfica de Fernando Mello da Costa consegue maquiar. Os bastidores-camarins ficam visíveis, servindo aos atores para a troca de roupas e para evitar os tempos mortos que marcam a divisão estanque das cenas. É a forma de atenuar a rigidez sequencial de quadros. Fernanda Nobre mimetiza como intérprete as poucas variantes da personagem. Gillray Coutinho reforça com sua atuação solta e aparentemente  “espontânea”, a identidade entre o ator e o autor. 


Cenas curtas

Os musicais continuam a ganhar espaço no mercado teatral carioca. Agora é a vez de Baby, original da Broadway que estréia dia 12 de maio no Teatro João Caetano, com direção do americano Fred Hanson. O libreto conta a história de três casais que têm que lidar com uma gravidez inesperada. Com produção de Tadeu Aguiar, que também está no elenco, ao lado Sylvia Massari, André Dias, Sabrina Korgut, Amanda Acosta, Olavo Cavalheiro e Helga Nemeczyk , a montagem tem temporada está prevista até agosto. 
  
A Cia Limite 151 é a próxima a ocupar o Teatro Glauce Rocha. Em comemoração aos seus 20 anos, o grupo se instala até junho na sala de espetáculos da Avenida Rio Branco, se apresentando de quarta a domingo. Inicia esta ocupação, dia 22, com três montagens de seu repertório: As Eruditas, O Santo e a Porca, e As Preciosas Ridículas. Para o segundo semestre, a Limite 151 programou Therese Raquin, de Emile Zola, com direção de João Fonseca.

A partir deste mês, turmas de formando da CAL apresentam suas montagens de final de curso. No dia 6, estréia no Teatro Gonzaguinha, no Centro Calouste Gulbenkian, Esta Noite Se Improvisa, de Luigi Pirandelo, com direção de David Herman. De 14 a 21, no Espaço da Cia Armazém, na Fundição Progresso, será a vez de Nem Sei Mais Quando Tudo Começou, direção de Marcelo Mello.


O que há (de melhor) para ver

As centenárias – Agora em um palco bem mais amplo do que o da estréia há três anos no Teatro Poeira, a dupla de carpideiras, criada por Newton Moreno, vive o embate com a morte na tentativa de driblá-la. As duas se utilizam de artifícios para tentar, com astúcia e  esperteza, se desviarem da inevitabilidade da ameaça onipresente, percorrendo rituais do fantástico sertanejo. Marieta Severo e Andréa Beltrão mergulham no universo nordestino como as carpideiras com movimentação corporal e detalhamento vocal, que se estende da juventude à senilidade. Interpretações inteligentes e comunicativas em encenação que emoldura a cultura popular sem folclorizações. Teatro João Caetano.
  
Os anos 60 revisitados
Hair – A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermont mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.

R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para grupo de alunos de colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos. Teatro Carlos Gomes.