sábado, 26 de março de 2011

Festivais

Mostras conquistam território

Presença do lituano Eiumuntas Nekrosius no Poa em Cena
Os festivais de teatro ocupam, praticamente, todo o território geográfico. Regionais, nacionais, internacionais, provocadores em áreas em que a atividade cênica é mais ativa, com maior ou menor identidade própria, reunindo curadorias em sintonia com a criação reflexiva, refletindo dúvidas sobre as perspectivas da linguagem, as mostras estão deixando de ser apenas exibição de montagens para conquistar, em paralelo à sua incontornável multiplicação territorial, espaços de dissonâncias e (des)integração de meios expressivos. De janeiro a dezembro, o calendário deixa poucas datas disponíveis para que os festivais não se atropelem e que a grade de espetáculos tenha a individualização necessária para fazê-los únicos nacionalmente e marcantes em suas regiões. Muitos atrelados a secretarias de cultura, alguns com patrocínio de empresas públicas e privadas, integrando editais que os incluem como categoria passível de concorrer anualmente à distribuição de recursos, têm presença na cena brasileira desde os anos 60. O mais longevo, o Filo (Festival Internacional de Londrina) se mantém, sem interrupções significativas, há 45 anos. Nascido como plataforma política, enfrentou o período da ditadura em resistência cultural que possibilitou a fundação do grupo Proteu, em torno do qual surgiriam outros coletivos, como o Armazém. Fiel à sua origem, o Filo sustenta a vocação para uma cena de viés político, com o convite renovado a cada ano para que se apresentem na cidade paranaense, tradicionais elencos da América Latina.
Igualmente veterano, pelo menos em anos, o Festival de Teatro de São José do Rio Preto chega 2011 à sua 42ª edição. Não poderia ter surgido de modo mais tradicional, já que nos primeiros tinha caráter competitivo e amador, e somente há 10 anos adquiriu abrangência internacional e incorporou crescente procura de capturar outras pulsões de teatralidade. O mais jovem, o Festival de Artes Cênicas da Bahia, com apenas três edições, ainda está em busca da sua impressão digital, mas desde a partida demonstra que não pretende ser somente reprodução regionalizada de outras mostras. Nehle Franke, um de seus curadores, resume o caráter que imprime à programação, como “inquietante”. O que é plenamente constatável pela seleção, que privilegia a diversificação de tendências e a pluralidade cultural. “Na última edição, o Fiac trouxe a Salvador a maioria de grupos da América do Sul, mas conectados com o mundo. Mais do que reflexos de realidades regionais, estão ligados à inquietude estética”. 

 Antunes Filho levou a Curitiba a sua visão de Carmen Miranda  
O Festival de Curitiba, que desde a sua primeira edição, em 1992, acrescentou ao formato tradicional a utilização do marketing cultural, foi  pensado pelo trio de jovens empresários que o organizou como um “negócio”. A linha curatorial seguia paralela à idéia de “promoção” e de divulgação da própria mostra como produto teatral. A conceituação temática para cada ano, obedecia a generalidades, como “os encenadores”, “o espetáculo”, para abrigar os nomes mais sonantes da década de 90. Gerald Thomas, Antunes Filho, Moacyr Góes, Gabriel Villela, Eduardo Tolentino foram a Curitiba com suas produções, publicitando e consolidando a imagem do FTC. Com o acréscimo do Fringe, que reproduz a mostra paralela inspirada no Festival de Edimburgo (no primeiro ano foram sete espetáculos, e em 2010, 350), Curitiba ganhou mais musculação, ao menos numericamente. Leandro Knopholz, diretor geral, afirma que “o festival lança tendências do que virá no segmento de cultura e entretenimento. Somos o prêt-à-porter da cultura”. Curitiba parece estar sedimentando sua vocação inicial, e apesar de ter excluído espetáculos internacionais a partir de 2005, quando apresentou a radicalidade de François Tanguy e seu Thêatre du Radeau, procura um ponto de inflexão para essa vertente. Knopholz pretende “buscar o inusitado” e inserir Curitiba no circuito de festivais internacionais, além de promover um “ grande show de música e competição de fogos de artifício”, ao longo dos próximos festivais.           
Porto Alegre em Cena está integrado ao circuito internacional dos festivais pela sofisticação com que seleciona a participação estrangeira nos seus 18 anos de existência. A cidade já se habituou a ter à disposição cartela refinada de opções que variam de Peter Brook a Pina Bausch, de Ariane Monouchkine a Eimuntas Nekrosius, de Bob Wilson a Patrice Chereau, do Volksbühne Theater ao La Fura dels Baus, de Isabelle Hupert a Norma Aleandro. Luciano Alabarse, coordenador do Poa em Cena, pela proximidade com os países do Mercosul, expande a ação internacional ao teatro da Argentina, Uruguai e, mais recentemente ao Chile, que complementa com coerência e critério espectro cênico diversificado.
Sem voltar as costas para o mundo, tanto que trazem espetáculos de variadas latitudes, mostras como o Cena Contemporânea de Brasília, Festival de Recife e o Janeiro de Grandes Espetáculos, também de Recife, são vitrines para a produção local, que se enquadra com o que vem de fora, não apenas comparativamente, mas como diálogo entre formas e processos de trabalho. O curador Guilherme Reis diz que nos seus 20 anos do Cena ampliou-se a relação com o público da cidade e ganhou-se maior intimidade com “outras linguagens artísticas, em especial música e vídeo”.
Na vanguarda das mudanças e na refração das possibilidades que a cena propõe atualmente, o Festival de São José do Rio Preto e o nascente Tempo, do Rio, levam mais adiante as questões em torno das linguagens e até mesmo do formato diante da explosão de conceitos e das variantes da recepção. São José, que vinha experimentando trilhas alternativas para atribuir significados ao esvaziamento da convenção, tem arranhado incógnitas teatrais, à volta de captar a “impermanência” e os impulsos laboratorias do ato de provocar em cena. Em 2010, partiu para nova aposta: o teatro pós-dramático. Bia Junqueira, um dos três curadores do Tempo, amplia significativamente o conceito de festival para conduzi-lo ao novo plano de realização e de reações aos confrontos com a pluralidade de meios. Para Bia, o festival se justifica com “uma curadoria que ofereça o espaço para a criação e a confrontação de visões, apresentando obras aonde os artistas partilham suas visões pessoais do mundo e que buscam ampliar novas percepções desse mesmo mundo. Um mundo cosmopolita, complexo, aonde conceitos de fronteiras, nação, cultura, real, verdade, entre outros estão em plena mutação. Obras híbridas, simples, documentais, ficcionais, próximas, globais, sejam pelo tempo real e o tempo virtual”.

Publicada na Revista da Sbat n° 523


Curitiba é invadida pelo Rio

Antes da Coisa Toda Começar: o teatro carioca bem representado
Como raras vezes aconteceu nos 19 anos de realização do Festival de Curitiba, esta edição marca a presença maciça de produções cariocas na mostra paranaense. A invasão do Rio na programação curitibana, se justifica pela bem razoável temporada de 2010. Da confirmação do autor Jô Bilac (Savana Glacial) à sedimentação estilística de Pedro Brício (Comédia Russa e Me Salve, Musical!). Da dramaturgia cênica de Adultério às crônicas vivenciais de Estilhaços. Da investigação sobre encontros (Antes da Coisa Toda Começar) às perdas do desencontro (As Próximas Horas Serão Definitivas). Da alegria carnavalesca (É Com Esse Que Eu Vou) ao mergulho na delicadeza (Marina). De Púchkin dançado (Tathyana) à biografia de celebridade (Marlene Dietrich – As Pernas do Século). Das relações de Qorpo Santo (Labirinto) à loucura de Dostoiésvki (Um Coração Fraco). De monólogo (O Livro) a monólogo (Sonhos Para Vestir). De autor irlandês (Pedras nos Bolsos) a autor americano (Inverno da Luz Vermelha). Do teatro cantante ( Sete Por Dois) à musicalidade do ruído (A História do Homem Que Ouve Mozart e da Moça do Lado que Escuta o Homem). Mesmo que numericamente expressiva, a escolha de tantos espetáculos oriundos da nossa cidade, não deixa de ser arriscada, não só pela excessiva concentração numa mesma origem geográfica, como pelo  desequilíbrio em relação às demais áreas da produção cênica nacional. Mas as opções curatoriais são soberanas, e quaisquer considerações se tornam secundárias diante da possibilidade de comparar essas montagens com as demais da mostra. Como Curitiba mantém o gigantismo em variadas mostras  – a principal exibirá 31 espetáculos, enquanto o Fringe reúne em dez dias mais de 300 montagens, além das dedicadas ao humor, como É Tudo Improviso, Risorama e MishMash –, a presença do Rio não chega a ser impositiva. Os números são apenas números e se diluem entre muitos. As montagens cariocas serão, verdadeiramente impositivas, caso se afirmem pela qualidade e capacidade de comunicar.


Agenda dos festivais

Festival de Rua de Porto Alegre – Em sua 3ª edição essa mostra em diversos locais públicos da cidade reúne de 1 a 12 de abril dezenas de espetáculos, além de promover seminários e lançamento de livro. Com a participação de grupos de todo o país, as ruas e praças gauchas receberão o grupo cearense Carroça de Mamulengo, a Cia Stravaganza de Porto Alegre, entre outros. Participa do seminário, o professor Peter Pál Pelbart, que coordena a Cia.Teatral Ueinzz, que trabalha com pacientes psicóticos. E Licko Turle e Jussara Trindade lançam o livro Teatro de Rua no Brasil – A Primeira Década do Milênio.

Festival Internacional de Londrina – Um dos mais tradicionais e antigos, o Filo se realizará este ano de 10 a 26 de junho.

Festival Internacional de São José do Rio Preto – O  11º FIT, que acontece de 6 a 16 de julho na cidade paulista, já definiu a sua programação nacional, que contará com Tríptico, reunindo peças do americano Richard Maxwell -
- Burguer King, Casa, e O Fim da Realidade -, direção de Roberto Alvim            para o grupo paulista Club Noir. Os cariocas estarão representadas por Savana Glacial, o elogiado texto de Jô Bilac, por Navalha na Carne, revisita à peça de Plínio Marcos numa cenografia ambiente, além de Banal, a instalação cênica de Alessandra Colasanti. Do Paraná se apresenta Oxigênio, da Cia Brasileira de Teatro e do Ceará, o Grupo Bagaceira de Teatro leva a Rio Preto, Meire Love.

Festival  de Teatro da Língua Portuguesa – A quarta edição do Festlip, que acontece no Rio de 20 de julho a 7 de agosto, reunindo espetáculos de países de lingua portuguesa: Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Timor Leste, Cabo Verde  e São Tomé e Príncipe. Ainda sem programação definida, a mostra está com inscrições abertas em festlip@talu.com.br, até 15 de abril.

Tempo-Festival – Dividido em duas etapas – primeiro tempo, de 2 a 4 de agosto; segundo tempo, de 14 a 18 de setembro – a provocativa mostra carioca aposta na companhia argentina Timbre 4 como uma das suas atrações internacionais. El Viento en un Violin, co-produção entre o festival Tempo, o Santiago a Mil do Chile e o Festival d'Automne de Paris, é dirigido por Claudio Tolcachir, que também é autor do texto, definindo pela curadora Bia Junqueira como “afiado, complexo e extremamente humano”. Outra montagem de Tolcachir, Tercer Cuerpo, pode ser vista no Festival de Curitiba.

O Cena Contemporânea - Festival Internacional de Teatro de Brasília. de 23 de agosto a 4 de setembro, já definiu alguns dos espetáculos que virão do exterior. A Argentina apresentará Que Ruido Tan Triste Es El Que Hacen Dos Corpos Cuando Se Amam, a Polônia, Carson City, e a Coréia, Darkness Poomba.

Porto Alegre em Cena – Pela 18ª vez a capital gaucha receberá, de 6 a 26 de setembro, espetáculos do Brasil e do mundo, numa seleção sempre muito criteriosa e ousada. Para este ano, o curador Luciano Alabarse  leva ao POA em Cena nomes de peso do teatro do século 20. Lá estarão Peter Brook com sua última montagem, A Flauta Mágica, Bob Wilson com a sua versão para A Última Gravação de Krapp, de Samuel Beckett, e mais Marianne Faithfull e Philip Glass. Entre os brasileiros, se destacam Gabriel Villela com Sua Incelença, Ricardo III, que abre esta semana Curitiba, Christiane Jatahy, com Dueto Para 1, Paulo José com Histórias do Amor Líquido e Moacir Chaves com O Labirinto.

Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia – O jovem festival brasileiro, este ano se realiza de 21 a 30 de outubro, em Salvador. Pela quarta vez e com programação que procura refletir as questões pulsantes das artes  cênicas, o Fiac ainda está na seleção dos espetáculos participantes.

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