segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

2ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ A Lua vem da Ásia


Chico Diaz no espaço ilógico de Campos de Carvalho


Onde se refugiou a lógica? Os mestres de sua disseminação foram assassinados e os seus acólitos estão presos em manicômios, servindo de cobaias a uma racionalidade que não consegue entender o mundo. Neste espaço ilógico, Campos de Carvalho propõe, em “A Lua vem da Ásia”, a apreensão da vida no refluxo da tentativa de abarcá-la. São áreas desconhecidas, percorridas com palavras que mapeiam geografias humanas e razões imutáveis, ironizam desígnos e falseiam certezas. O fluxo verbal se conduz por espaços que se desmentem continuamente, levam a pontos de incertezas. A ficção de Campos Carvalho, menos como experimentação de linguagem literária, é mais um modo de ficcionar um universo atropelado por inconclusões, visão um tanto niilista da existência, em que o humor crítico se infiltra por cada um dos desvãos da narrativa. Escrito em 1956, o livro, como o restante da obra do autor, continua provocador em sua iconoclastia e intrigante em seus atalhos verbais. Aderbal Freire-Filho foi quem trouxe para o teatro o universo de Campos de Carvalho, com “O Púcaro Búlgaro”, encenação em que fazia do literário a própria razão de ser da cena. Ao apostar na adequação do que é essencialmente romanesco para o que pode vir a ser profusamente teatral, Aderbal traduziu algo até então lido para a fisicalidade do palco. Em “A Lua vem da Ásia”, em temporada no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, o diretor Moacir Chaves não repetiu a abordagem de Aderbal, ainda que no programa do espetáculo, seu nome apareça como supervisor de dramaturgia. Chaves destaca da adaptação de Chico Diaz (há um “prólogo” e um  “epílogo” que encorpam a inteireza do romance) uma certa “dramaticidade” para as diversas nuances estilísticas de uma oralidade obsessiva  como caudal desviante das possibilidades de percepção. O diretor empresta ao monólogo caráter múltiplo como formas de capturar os diversos veios expressivos pelos quais são conduzidos os leitores-espectadores da jornada de alguém percorrendo dúvidas e intencionalidades. A cenografia de Fernando Mello da Costa funciona como acessório a este visão multiplicada que o romance propõe e o diretor acompanha. O quadrado vazado, quarto-manicômio, servido por objetos que chegam como se fossem transportados por monta-cargas ou se distribuem como peças espalhadas por delírio organizatório, se tranforma em sugestão de lona circense, que acompanha a mudança de espaço e das divagações envolta pela maior evasão da interioridade do personagem. Chico Diaz se entrega a esse mergulho no labiríntico percurso de quem (des)escreve o mundo como embate de espírito globalizadamente humanizado. Com força oscilante entre o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, o ator transmite com ironia e sensibilidade o “sentimento do mundo” como a poesia cáustica de quem o moldou. Uma interpretação com plena adesão e identidade ao material “dramático” e domínio da sua medida e extensão. Uma atuação límpida e inteligente.        


Mundo atual  visto de Brasília por Virna e Brandão 


Crítica/ Admirável e só para selvagens

Esta montagem, em cartaz no Mezzanino do Espaço Sesc que vem de Brasília, é livremente inspirada em “Admirável Mundo Novo”, obra premonitória do inglês Aldous Huxley. Se da Inglaterra do início do século 20, Huxley falava de uma sociedade dividida por hominídeos de proveta e de selvagens capazes de responder a emoções que correspondem à sua humanidade, da Brasília do século 21, a encenação de Hugo Rodas e Miriam Virna transcreve essa polarização para recriar no palco a fatuidade da cultura do prazer e da felicidade. A obra de Huxley, além de seu caráter especulativo sobre um futuro contemporaneamente confirmado, ficciona a realidade que em 1931, quando o livro foi publicado, parecia vaticínio de autor inventivo. A transposição para os dias atuais, que Yuri Vieira e Miriam Virna empreenderam para levar à cena as palavras candentes do original, teve êxito pelas citações à atualidade e à equalização identitária das referências da ficção com as quase comprovações do que se assiste (e vive) hoje. Ainda que os adaptadores tenham feito esta aproximação, “Admirável Mundo Novo” é obra literária um tanto reiterativa, que ao ser transferida para um meio expressivo em que o corpo a corpo com a palavra exige a sua plausibilidade cênica, a tendência à recorrência do livro também se reproduz no palco. Os diretores criaram visão bem definida sobre o texto, projetando interpretação física, um tanto coreografada, que busca impostação dançada e vocalizada em tom deliberadamente farsesco. Essa conotação permite que as idéias sejam transmitidas com ênfase e em alguns momentos como poética crítica. Mas por outro lado, não evita o ritmo monocórido em que a estilização acaba por jogar a montagem. O cenário horizontalizado de Hugo Rodas permite que o confronto seja bem delineado, com a interveniente iluminação de Renato Machado. Os dois intérpretes – Alessandro Brandão e Miriam Virna – desenham, a partir da concepção dos diretores, atuações bem elaboradas e, especialmente, bastante bem executadas tecnicamente. Falta apenas driblar a impressão de  monotonia que a montagem provoca na recepção pela platéia.      


Crítica/ Besame Mucho

O texto de Mário Prata, em cena na Sala Multiuso do Espaço Sesc, escrito na década de 1980, reflete o momento vivido pela país, em pleno processo de distensão política, numa ressaca ainda perturbadora dos anos de ditadura. Se na década anterior, Mário Prata trouxe os porões da repressão para a luz dos refletores (“Fábrica de Chocolate”) em metáforas nem sempre muito elípiticas, em “Besame Mucho”, de 1982, flexibiliza o ambiente politico com referências biográficas que ressoam como dados genéricos de uma geração. Os dois casais, que vivem numa cidade do interior paulista, têm a história de sua convivência contada de trás para frente. Um fato deflagrador com o qual a peça se inicia, revela o “fim” dos personagens, que vão sendo  desvendados pela inversão da passagem do tempo, até chegar à pré-adolescência, época do final verdadeiro da ação. O recurso, ainda que não original, se mostra atraente, até por que é servido por projeções dos fatos paralelos de cada ano, capazes de compor o fundo histórico que apóia a narrativa. Roberto Bomtempo, com cenário funcional, que serve de tela para as projeções e de enquadramento para os vários ambientes, demonstra visível admiração pelo texto. Sua montagem procura envolver-se com a época, numa perspectiva da dramaturgia geracional que elegeu para levar à cena. Sem muitas firulas, numa fidelidade reverente ao autor, Bomtempo reuniu quarteto de atores que, mesmo com certa juventude interpretativa, cumpre com empenho as suas funções. Ana Paula SantÁnna e Leandro Baumgratz ficam um tanto aquém das atuações de Janaina Moura e, sobretudo, de Rafael Sardão, bem mais nuançados e sensíveis às exigencias das mudanças de idade.       


Cenas curtas 

A dupla Charles Möeller e Claudio Botelho abriu inscrições para cantores/atores e bailarinos/cantores para a sua próxima produção, “O Violinista no Telhado”,  a ser estreada no OI Casa Grande em junho, em substituição a seu atual musical, “Hair”. Informações sobre os testes podem ser obtidas em www.moellerbotelho.com.br.

Em sua 17ª edição o Janeiro de Grandes Espetáculos, que se realiza em Recife até o dia 30, tem este ano a sua versão mais ambiciosa. Reunindo produções pernambucanas da capital e do interior, além de convidados do Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul e Brasília, se realiza pela primeira vez a Mostra Iberoamericana com espetáculos vindos da Argentina, Uruguai, Espanha, Portugal, Itália e Cuba. Uma edição promissora para este simpático festival de verão de Recife. Informações em www.janeirodegrandesespetaculos.com.

A Secretaria de Cultura está recebendo até o dia 31, propostas para a ocupação do Teatro Gláucio Gill. O período da ocupação será de maio de 2011 a março de 2012. As inscrições devem ser feitas pelo endereço eletrônico ocupacaoglauciogill@cultura.rj.gov.br

O músico e diretor Caique Botkay está completando 60 anos, lançando em março a sua encenação de “Gimba – Presidente dos Valentes”, texto dos anos 60 de Gianfrancesco Guarnieiri. Estreado no ano passado no Festival de Teatro de Angra dos Reis, o musical-político tem à frente do elenco a atriz Taís Araújo.


O que há (de melhor) para ver 

 Hair –A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermot, mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.

A desconstrução familiar por Nicky Silver e Felipe Hirsch
Pterodátilos – Num lar de alicerces oscilantes, quase dementes, o autor americando Nicky Silver desenha farsa de humor rascante, que o diretor Felipe Hirsch, com a excelente tradução cenográfica de Daniela Thomas, decompõe como um cemitério de ossos de mortos-vivos “assustados e solitários”. No elenco afiadíssimo, Marco Nanini e Mariana Lima, com acuidade, brilho e ironia, transformam o humor de Silver em inteligentes interpretações. Teatro das Artes.

Deus da Carnificina – A francesa Yasmina Reza se preocupa mais com o invólucro do que com o conteúdo, e neste texto sobre a crescente agressividade de um casal diante da briga dos filhos, não é diferente. Com habilidade e inventiva cenografia, o diretor Emílio de Mello soube ressaltar o que o invólucro tem de melhor, o seu brilho externo, utilizando quarteto de bons atores, no qual se destaca Julia Lemmertz com alguns momentos excepcionais. Teatro Maison de France.

Histórias do Amor Líquido – Em três narrativas que se interpõem, o autor Walter Daguerre captura modos diversos da “liquefação das relações contemporâneas”. O diretor Paulo José imprime ritmo dinâmico e nervoso à montagem, apoiado pelo criativo cenário de Fernando Mello da Costa, que usa, como poucas vezes se viu no teatro carioca, projeções com ótimo efeito dramático e qualidade técnica. Teatro Poeira.




macksenr@gmail.com