segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

1ª Semana da Temporada 2011

 Critica/ Pequenos Burgueses

Pequenos Burgueses de "Nós do Morro": novas exigências 


De certo maneira, a encenação de “Pequenos burgueses” pelo grupo Nós do Morro representa uma viragem em sua trajetória de mais de duas décadas. A montagem do texto de Máximo Gorki, em cartaz no Teatro das Artes, demonstra um desejo do coletivo do Vidigal em deslocar o centro de seu repertório, dramatúrgico e interpretativo, para áreas até então exploradas, secundariamente, pelos seus espetáculos. O intenso atrito daquela família, tão pequeno burguesa em suas aspirações, tão carregada de desejos medianos, carregada de virulência incontida, consciente do poder cessante e ameaçada pela perspectiva de uma nova ordem social, nada mais é do que a difusa incerteza de sua imobilidade. Sob uma análise marxista, “Pequenos burgueses” foi considerado um das peças, que no início do século 20 anunciava na Rússia pré-revolucionária, o fim de uma classe social condenada à extinção, por parasitária.  Marxismos à parte, o texto de Gorki amplia, do ponto de vista teatral, o retrato familiar de conflitos gerados pela própria existência, apenas, secundariamente, configurado pelo contexto social. Não é sem razão que “Pequenos burgueses” estreou em 1902, no Teatro de Artes de Moscou, sob a direção de Stanislavski, deixando à mostra as fraturas da família Bessemenov e seus satélites emocionais, com tal carga psicológica para que o clima opressivo se estabeleça como minúcias de sentimentos. Para o Nós do Morro, esse detalhamento e filigranas de emoções parecem, pela encenação de Guti Fraga e Fátima Domingues, ainda uma tentativa de encontrar o dimensionamento cênico na medida do texto. A montagem é expandida, seja através da coreografia, para se tornar alegórica, seja pela pouca intimidade do elenco com atuações mais interiorizadas. Já na cenografia de Beli Araújo, que utiliza biombos manipulados pelos atores para concentrar ou ampliar os ambientes, se afirma esse relativo descompasso com o “intimismo”. Ainda que os biombos sejam um recurso “econômico” e sugiram elementos do geometrismo russo, a sua excessiva movimentação pelos atores que se vestem de “clóvis” ( os bate-bolas do carnaval do subúrbio), servem somente para criar ainda mais dispersão. As opções dos diretores tiveram, muito provavelmente, a intenção de ajustar as características de um texto exigente do ponto de vista interpretativo, às especificidades da trajetória do grupo. É por aí  que se captura a necessidade do Nós do Morro por atender outros planos expressivos. Mesmo que a moldura circunscreva um painel, o quadro procura o refino, ou pelo menos deveria procurá-lo. Há uma visível dificuldade de sintonizar-se com uma cena pequena, com o menor da atuação, com o ponto de convergência dos conflitos dramáticos. Falta clima, ressente-se de atmosfera, a ação é retratada, não recriada. Como tudo transcorre como alegoria, esquece-se a evolução e o crescente das situações, o que transforma o fracasso de um suicido em farsa e as agressões verbais em bate-boca, tanto que a maior parte da encenação provoca reações de riso da platéia. Pelo menos, foi esta a resposta do público no dia da estréia. Os atores se empenham para transmitir a dramática de Gorki, mas permanecem na superfície do formalismo alegórico do melodrama. Mas há que registrar que esse foi o primeiro passo do Nós do Morro para avançar numa maior exigência nas atuações. Portanto, é esperar o próximo espetáculo.               




Crítica/ Meniná

O texto de Lúcia Coelho, em cartaz no Teatro do Jockey, tem como subtítulo a advertência, “qualquer semelhança é mera coincidência.” Não chega a ser um despiste da autora para trazer flashes de sua biografia para o palco, sob o pretexto de contar a história de uma senhora que relembra sua vida, em especial a sua existência rebelde e sua profissão de fé na arte. A partir da frustração de ter o projeto de um cruzeiro marítimo ao descobrir a falta de dinheiro na boca do caixa para a empreitada, a senhora, a tal Meniná, evoca os acontecimentos de sua vida com a fugacidade das lembranças e a nostalgia do bem vivido. São as constantes expulsões dos colégios, as diferenças com freiras repressoras, sucessivos casos amorosos, desfiados entre lapsos de memória e lucidez pela vontade de prosseguir conquistando a vida. Nada muito denso, sequer de carga dramática muito desenvolvida. Apenas um desejo de Lúcia Coelho em fazer um depoimento cênico de vivências que imaginou poder transmitir como dramaturgia. O que ressalta em “Meniná” é a sinceridade com que Lúcia entreabre o seu empenho de repensar sobre ressonâncias pessoais e a passagem do tempo. E muito pouco mais além disto.
 A própria autora assina a direção, e o acúmulo de funções parece a ter sobrecarregado a ponto de não dimensionar as restritas possibilidades do texto. A montagem, tão modesta quanto a trama, acentua as fragilidades da escrita, não só pelas soluções cênicas pouco inspiradas, como pela dificuldade em superar as restritas oportunidades de reinventar a inconsistência textual. Com produção, igualmente modesta, na qual os figurinos evidenciam a sua face mais frágil, também não encontra no elenco, apoio para dar maior vida ao espetáculo.  Apesar do esforço de Márcia do Valle em interpretar uma personagem com mais anos do que ela, e demonstrar as suas qualidades vocais como cantora, sucumbe à implausibilidade da Meniná. Ao menos se mostra mais integrada na sua atuação do que o restante do elenco: Fernanda Coelho, Marcelo Dias e Maria Pompeu.     


Cenas curtas

O Rio parece se reintegrar ao circuito de espetáculos internacionais que visitam o Brasil. O grupo catalão Fura dels Baus traz à cidade, em setembro,  “Degustação de Titus Andronicus”, experimento de teatro físico a partir de Shakespeare, com elementos visuais poderosos, como é do estilo deste coletivo, com sugestões de canibalismo.

Projetos de livros da coleção Aplauso estão em finalização para lançamento nos próximos meses. A fotobiografia de Ziembinski, o diretor e ator polonês que se radicou no Brasil nos anos 1940, organizada por Antônio Gilberto deve estar nas livrarias em fevereiro.

Até do dia 30 se apresentarão no Teatro Gonzaguinha do Centro de Artes Calouste Gulbenkian, 11 espetáculos na décima mostra de teatro da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com entrada franca, as montagens fazem parte da conclusão de cursos dos alunos de direção teatral da Escola de Comunicação de UFRJ. 

A programação do Centro Cultural Banco do Brasil para 2011, anuncia safra de estréias promissoras. Um musical sobre Noel Rosa, com Maria Padilha, Bia Lessa dirigindo Renata Sorrah em montagem sobre a geração da imagem midiática, além de Aderbal Freire-Filho encenando “Na selva das cidades”, de Brecht e a Amok Cia. de Teatro em espetáculo com texto de autor sérvio, completando a trilogia cênica sobre guerras.



O que há (de melhor) para ver 

 Hair –A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermot, mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.

Técnica e profissionalismo dos new hippies de Hair

 Mente Mentira – A peça de Sam Shepard constrói ganchos dramáticos sobre família disfuncional que o diretor Paulo Moraes envolve em perfeita atmosfera tensa, mantendo o elenco – com sensíveis participações de Malu Valle, Roza Grobman e especialmente Zécarlos Machado – em permanente fricção emocional. O visual, assinado pelo diretor e Carla Berri, é outro dos elementos destaque da encenação em que choques afetivos são projetados como pulsões emocionais. Casa de Cultura Laura Alvim.

Pterodátilos – Num lar de alicerces oscilantes, quase dementes, o autor americando Nicky Silver desenha farsa de humor rascante, que o diretor Felipe Hirsch, com a excelente tradução cenográfica de Daniela Thomas, decompõe como um cemitério de ossos de mortos-vivos “assustados e solitários”. No elenco afiadíssimo, Marco Nanini e Mariana Lima, com acuidade, brilho e ironia, transformam o humor de Silver em inteligentes interpretações. Teatro das Artes.

Deus da Carnificina – A francesa Yasmina Reza se preocupa mais com o invólucro do que com o conteúdo, e neste texto sobre a crescente agressividade de um casal diante da briga dos filhos, não é diferente. Com habilidade e inventiva cenografia, o diretor Emílio de Mello soube ressaltar o que o invólucro tem de melhor, o seu brilho externo, utilizando quarteto de bons atores, no qual se destaca Julia Lemmertz com alguns momentos excepcionais. Teatro Maison de France.

Histórias do Amor Líquido – Em três narrativas que se interpõem, o autor Walter Daguerre captura modos diversos da “liquefação das relações contemporâneas”. O diretor Paulo José imprime ritmo dinâmico e nervoso à montagem, apoiado pelo criativo cenário de Fernando Mello da Costa, que usa, como poucas vezes se viu no teatro carioca, projeções com ótimo efeito dramático e qualidade técnica. Teatro Poeira.